PEQUENO CAPÍTULO 4

Na novela Tieta aparecem alguns temas que, na época pareciam afronta à cultura do brasileiro, e que hoje passados todos esses anos, nos revelam que muito se mudou e muito ainda continua como antes ou até pior.

Gostaria de começar discutindo a noção de desenvolvimento que na novela aparece pela postura do empreendedor prefeito Ascânio e a implantação de coisas que significariam o desenvolvimento.

Asfalto, telefonia, luz elétrica e outras benesses são de fato coisas que ajudam a gente a viver melhor e, ainda que indiretamente, facilitam o desenvolvimento econômico. Mas a questão é discutir aquilo que está submerso no conceito de desenvolvimento.

Desenvolvimento econômico não pode estar acima do desenvolvimento humano. E nenhum ser humano é só economia. Sem outros valores é só cifra.

Na novela começa uma discussão sobre ocupação de áreas públicas por empreendimentos privados. E quem conhece o litoral baiano (e não só lá) sabe o quanto que os lugares paradisíacos foram ocupados por grandes corporações de hotelarias e resorts.

As populações originárias destes locais (inclusive comunidades tradicionais de indígenas e quilombolas) foram desalojadas e seus bens culturais foram desapropriados juntos com as terras.

Depois nos deparamos com a mudança dos valores morais.

A sexualidade também era uma espécie de bandeira nas novelas dos anos 80 e 90. Dentro do regime repressivo e pós- ditadura militar, as novelas elegeram como tema essencial de suas tramas os códigos e comportamentos morais ligados à sexualidade.

Em Tieta encontramos a dura avaliação moral pela ótica das beatas católicas. Mas não só. Começa a despontar também a ótica evangélica onde tudo se resolve com a invocação do mal e a força do nome de Jesus.

Damo-nos de topo com a história machista dos homens que ficam apenas imaginando como terão acesso ao sexo com as mulheres da cidade. Conhecemos a invicta que se tortura por não ter conhecido homem até então e se envergonha de sua condição, sentindo-se quase uma extraterrestre. Temos os casais que se dão bem demais na cama e conversam sobre tudo, mas precisam arriscar o que têm porque falta uma apimentada na relação. Estão presentes as insatisfeitas afetivas que, por isso, cuidam da vida de todo mundo. Está a relação incestuosa da tia e do sobrinho. O homem de bem que tem duas famílias e se sente no direito de ter a amante como sua propriedade. Está o garanhão que representa o capricho dos homens desejados por todas. Está o casal em crise que não consegue falar de seus sentimentos e ela vive na fantasia da tv recém chegada e ele fechado no seu perfil macho alfa. Estão os adolescentes descobrindo os caminhos do amor e do desamor. Está o homem mais correto da vila que é enganado por duas mulheres. Estão todos lá...

Mas a solução dada pela novela (nem sei se poderia ser diferente) é apenas  a de mostrar a situação e apontar para soluções banais: tudo aquilo que estava acontecendo na cidade era porque estavam atrasados social e culturalmente.

Passados esses anos todos e revendo alguns capítulos (confesso que gostaria de rever todos, assim como de Roque Santeiro e algumas outras) percebo que tanto os problemas apresentados como as soluções sugeridas, ficaram no meio do caminho.

Evoluímos social e culturalmente? Talvez. Mas os problemas que eram apresentados há 28 anos ainda circulam como problemas presentes e imanentes na vida da cultura brasileira e, as soluções, ficaram devendo chegar a bom termo: parece não ser sido o suficiente dizer que precisávamos chegar à modernidade. Os problemas permaneceram e até pioraram em muitos casos (vide o feminicídio que impera nas relações de gênero).

O padre representado pelo bom Claudio Correia e Castro foi uma peça chave para entendermos o bom senso e disposição da Igreja em olhar para a vida com mais serenidade. Mas engraçado que quase nunca a cidade reza... Em contrapartida, os cultos evangélicos começam a chegar pelos meios de comunicação social e pela "inauguração" de novos templos com a presença sempre vívida de satanás e seus comparsas.

Precisamos olhar para isso com atenção.

Era o tempo do crescimento do número de denominações e sua expansão comunicativa... E foram os pobres os primeiros a reagir a essa chegada...

Também é o tempo dos evangélicos que se detém em destruir a fé de origem afro- brasileira. coisa que ainda persiste e em muitos lugares, até com ataques físico aos que frequentam terreiros de Candomblé e Umbanda.

Santana do Agreste é por assim dizer um simulacro do que era o Brasil ou do que somos ainda.

Entender essas relações a partir de uma obra artística deveria ser o papel crítico de quem faz e de quem vê tv. Mas infelizmente não conseguimos fazer isso. Ou vemos como esponja que absorve tudo sem nenhum elemento crítico ou somos arredios de não assistir porque não nos serve.

Vide as inúmeras ações feitas contra peças artísticas nos últimos tempos. Se não falar o que eu gosto de ouvir ou ver, simplesmente recorremos à justiça para impedir a manifestação.

Realmente LUiz Caldas ao cantar a música tema da novela tinha razão: Tieta não foi feita da costela de Adão...

Fiquem Bem.


P.S.- pretendo escrever sobre um outro fator televisivo em breve

Comentários

  1. Olá- -esta se saindo um belllo critico da novela (rsrs) gosto qdo vc faz um paralelo entre o tempo da Tieta com nosso atual.....perfeito! ///tudo mudou, mas nem tanto......pra falar a verdade nem lembro dos personagens......e esqueço e tentar ver de novo...... é no ViVA. ...ne? Fiquei curiosa

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  2. Realmente vc é bem crítico.e detalhista.dessa bela novela que conquistou o país. :seus personagens fortes(principalmente as mulheres)e irreverentes,os cenários paradisíacos ,disputas políticas,conflitos interessantes..e o eterno combate à hipocrisia calcada na moral e bons costumes..Interessante o paralelo que vc faz com os tempo atual!!

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  3. À pesar do tempo atual, da Internet e de outros recursos que agora existe. Ainda tem cidades do interior não tão desenvolvida... e parecidas como.: Santana do agreste e outras mais...que tudo é comentário e notícias. Me divirto c/ essa novela c/ as beatas então..Rsrss!! principalmente a perpétua ela é demais..E na realidade ainda tem muitos desses personagens por aí...só não a Mulher de branco eu acho. Rsrss!!

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  4. Muito boa crítica... tráfico perceber que continuamos vivendo em Santana do Agreste.

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