PEQUENO CAPÍTULO 3

Dia desses, fiquei com insônia e mesmo cansado e com muitas coisas pra fazer no dia seguinte, não consegui dormir de jeito nenhum. É raro isso me acontecer, pois durmo muito bem até com uma banda de forro dentro do quarto, sempre dormi.

Mas depois de anos cuidando de mim e das minhas coisas, descobri algumas coisas que me ajudam em situações irregulares, como a insônia.

Tomo um copo d'água sem gelo bem devagar. Sinto como se estivesse acalmando meus sentidos.

Evito qualquer bebida conhecida como calmante (chás, leite morno) pois em mim parecem ter o efeito contrário.

Por limite da visão, tento ler algo que tenha boas letras .

Ou então, deito com toca na cabeça e de costas para qualquer sinal de luz (até a luzinha da tv desligada me tira a concentração) e fecho os olhos apenas ouvindo algum bem baixinho o som da tv.

Não interessa de modo algum o que esteja passando e nem preciso prestar atenção. Apenas o barulhinho de vozes me ajudam a descansar.

Pois foi o que fiz.

Coloquei no canal Viva e fiz tudo como manda o ritual: toca na cabeça, de costas para a tv e o som bem baixinho... Ainda assim o sono não veio e quem já sentiu insônia sabe que ficar se forçando a dormir pode ser prejudicial. O melhor é relaxar e esperar o sono chegar de mansinho (se ele vier).

Desvirei o corpo e voltei-me para a tv. Estava passando um capítulo da novela Por Amor. Gostei muito quando assisti em 1997, mas fiquei completamente insatisfeito com os rumos que os personagens tomaram justificando-se a cada instante que faziam aquilo tudo por amor. Nesse dia, era quando mãe conta para a filha que está grávida também... um choque rever aquilo tudo.

Mas em seguida veio um capítulo de Tieta (1989) e eu nem sabia que estava sendo reprisada.

Fiquei tomado de curiosidade por rever os personagens que me faziam rir demais e que naquele momento, diziam muito sobre o que acontecia ao nosso redor.

Preciso dizer que não dormi antes que acabasse o capítulo e que a partir de então, sempre que posso revejo as cenas daquele grupo extraordinário de Santana do Agreste? (rsrsrs)

Foi a partir desse reencontro com esse tipo de novela que comecei a pensar o que escrevi anteriormente e aquilo que pretendo ainda escrever nesses pequenos capítulos.

Santana do Agreste era uma cidade do interior da Bahia sem estrada asfaltada, sem telefone, sem energia elétrica e com personagens muito ilustrativos da vida interiorana brasileira.

Lá estavam: as beatas da igreja que viviam por controlar a vida de todos a partir de uma leitura muito própria das coisas morais, o padre que precisa manter as obras da igreja, um empresário explorador, os homens que ficam o dia todo na mesa do botequim, as crianças aprendendo a ler o mundo a partir da mímica dos adultos, o homem garanhão, a teúda e manteúda, a dona de casa simplória, a fofoqueira, a mulher que sofre nas mãos do marido turrão, o imigrante engraçado, o bêbado falador, o casal de bem com o mundo, a mulher mais velha que respeita e acolhe todo mundo, a solteirona, aquela que se julga dona da verdade e claro, a mulher suspeita que volta e ninguém sabe como ela deu certo na vida mas que todos amam porque desejam seus presentes.

Mas a novela tem algo de profundo porque vai contando nos seus capítulos a descoberta que uma cidade sem nenhum recurso tecnológico (nem os básicos) vai vivendo e descobrindo sobre si e sobre o mundo.

Primeiro chegou a energia elétrica. Hoje talvez poucos de nós sem lembre de como era a vida sem energia. Mas quem se lembra sabe como eram dias difíceis...

Depois o vendedor de sonhos. Aqueles vendedores (que na novela se chama prestamista) que passavam de casa em casa oferecendo certos requintes para nossa nada mole vida. Anotavam em cadernetas e todo mês vinha cobrar a parcela do que devíamos.

Depois a própria TV entra em cena como uma metalinguagem. Na novela se discute o modo como esse aparelho vai moldando os novos comportamentos e desejos do brasileiro. Concomitante, fala dessa moldagem enquanto nos moldava.

Aparece também o processo de individuação que a própria Tieta propicia. Num dos capítulo dá alguns presentinhos para o povo de acordo com seus interesses em fazer criar um clima de suspense no comportamento de todos. Imaginem dar para uma fofoqueira um gravador? Ou então, para o bêbado da praça um megafone? Ou para a empregada da casa de sua maior rival uma batedeira de bolo? Com esses pequenos agrados vai semeando um novo modo de ser das pessoas e gerando insatisfação geral.

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Ainda aparecem as novidades para qualquer realidade naquele tempo e ainda hoje persiste: uma procuradora de SP chega e, a partir de desmandos machistas se descobre que ela é ele e se chamava Valdemar. Um grande grupo coorporativo oferece benesses para se instalar e montar uma fábrica que ninguém sabe  que é e nem qual o alcance dos riscos. A mulher traída pelo marido exemplar e bem posicionado socialmente passa de tonta e começa a fazer a sua reviravolta na história.

Em todo o caso, não me cabe listar tudo o que a novela traz porque muitos já a assistiram ou está tendo a oportunidade de faze-lo seja pelo canal pago ou pelo serviço da Globo Play.

Mas queria pensar um pouco aquilo que naqueles idos de 89 era algo que nem nos dávamos conta e que por inúmeros caminhos acabou por se confirmar e se tornou nosso arroz com feijão.

E daí sim, se aprofunda aquilo que falei anteriormente sobre pensar a cabeça do brasileiro. Olhando aqueles personagens com uma certa caboclisse e ao mesmo tempo com uma visão de mundo profunda sobre suas raízes descobrimos que a "gente é tudo igual Garrincha, Aleijadinho"...

E talvez seja essa a chave de leitura para pensarmos porque que as novelas mudaram de expressão: o brasileiro, com acesso a inúmeras fontes de informação e num mundo globalizado, não quer mais se ver como caboclo e sim com urbanoide maluco. Isso é tão verdadeiro, que vejam que até as novelas de época exibidas recentemente, trazem um traço de modernidade onde tudo passa pelo crivo da rapidez e do acesso à informação, coisa impensada na época que se pretende retratar.

Como não queremos mais ver nosso rosto no espelho (ou pelo menos, não queremos mais saber como somos e de onde viemos) as novelas se embrenharam pelo caminho de uma realidade agressiva e massiva. Crimes, corrupção, drogas, prostituição, abuso de poder são itens que nos aproximam da realidade vivida, mas não explicam porque somos e estamos nesse nível.

No próximo pequeno capítulo, discuto o que essa novela me fez pensar sobre nossa atualidade...



Comentários

  1. Eu sempre penso que hj as pessoas ouvem- fazem coisas que discordam, mas nao "falam" o que sentem por vários motivos ou medo serem taxadas de preconceituosas.pensa uma coisa -age de outra forma.Tanto na ficção como na realidade tem hora que temos a sensação desconforto. Triste...

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  2. Também sempre que posso assisto Tieta desde a primeira vez que passou e quando não dá até gravo é muito legal, super divertida cada personagem..que nos faz rir. No canal viva só reprisa novelas e programas bons. Vale a pena assistir!

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