PEQUENO CAPÍTULO 2

Assim como a TV ajudou a mudar os comportamentos do brasileiro (devemos nos lembrar que alguns outros fatores também contribuíram para essas mudanças: êxodo rural, acesso a bens de consumo, alfabetização, advento das novas tecnologias, violência urbana forçando as pessoas a preferirem ficar no regaço de seus lares, etc), a realidade como um todo mudou a TV.

Tidas como uma possibilidade objetiva para que se produza elementos com aspectos artísticos, a TV empobreceu suas próprias criações.

Para produzir em série, tudo ficou barateado e o elemento CRIATIVIDADE deu lugar à pontuação no IBOPE. Com isso, produções cada vez mais superficiais foram surgindo e ganhando espaço nas grades televisivas ao mesmo tempo, que ocuparam o olhar e o pensar do brasileiro.

Exemplos não nos faltam. Desde de novelas que fracassaram no IBOPE e por isso, foram encurtadas e ou suprimidas, até programas que começavam e na semana seguinte não sabíamos se ainda estaria no ar. O famoso mundo cão apareceu e ocupou os fins de tardes com notícias pavorosas sobre o que chamavam de realidade. Animadores de auditório no ímpeto de aumentar seus merchans incluíam em suas pautas dominicais abusos morais, piadas grotescas, cenas indecentes, choros de famosos, comida sobre corpos...

E o que antes fora um êxodo em favor da televisão, agora se reverte e aparece como grande ameaça: cada vez menos televisores ligados e cada vez mais gente acessando seus programas via internet ou os serviços de menu pessoal.

Desesperados, os executivos fazem de tudo para mudar essa onda. Tentam cooptar os youtubers mais influentes, buscam criar uma sintonia entre programa de tv aberta, tv paga e serviços de stream, corre atrás para mudar a linguagem e parecer que não envelheceu.

Mas tudo está mudado...

Os programas de auditório mudam apenas o comunicador e o público alvo. Mas quase se mostram incapazes de criar uma pauta nova.

Os programas de fofoca se perdem em seus próprios enredos.

Os filmes já não podem mais serem anunciados como estreias ou exclusivos.

E as novelas, quase sem saber, já não mais quem eram e numa busca angustiada por sua identidade, se perdem nos enredos mais bobos e desinteressantes.

Todo produto cultural tem como intenção primeira estabelecer um diálogo com a realidade e, ao mesmo tempo que fala, gera reação em quem ouve, vê ou assiste. Não deveria ser diferente com o produto novela. Seu primeiro objetivo era pensar a realidade com quem assiste suas histórias. Mas não é o que tem acontecido.

Novelas se tornaram produto de consumo imediato e sem nenhuma raiz social. Fala-se de tudo, aborda-se os temas mais espinhosos, traz para dentro da nossa sala os temas mais cruéis. E nada fica e nada gera, apenas o tão perseguido índice de audiência.

Produtos dos mais esdrúxulos, ao serem catalogados como bem quistos no gosto popular, entram para a história do pensamento brasileiro sem dizer absolutamente nada. Apenas contar uma história sem pé e sem cabeça.

E agora alguém poderia me perguntar: MAS ISSO NÃO FOI SEMPRE ASSIM?

Não na sua totalidade. Houve tempos em que a novela falava da vida do brasileiro, contava as sagas mais árduas para sobrevivência, buscava-se os valores mais profundos e, ainda que não agradassem pessoas e instituições, a novela fazia a gente pensar sobre o que víamos e isso gerava reação.

Basta lembrarmos de algumas: Roque Santeiro, Irmãos Coragem, Pecado Capital, O Dono do Mundo, Selva de Pedra, O Casarão, Escrava Isaura, O Direito de Nascer, Vale Tudo, Dancing Days, Renascer, saramandaia, O Bem Amado, O Rei do Gado etc, etc, etc...

Hoje, as novelas falam de que?

Em alguns casos de nada. São temas corriqueiros e apenas interessados em assegurar audiência. Em outros casos, falam e nada dizem. Falam da violência urbana mas não consegue se descolar do que estão falando, falam de tramoias e armações, mas não propõe nenhum valor que valha a pena ser perseguido. Falam para não falarem...

Como produto, as novelas vendem apenas uma ilusão e não mais conseguem pensar a realidade que dizem representar.

Os mais afoitos dirão que novela não é programa de partido político. E não é mesmo. Mas porque outros produtos (cada um a seu tempo) ajudaram e ajudam a entender o contexto em que foram elaborados, alguns com riqueza de comedia, de drama, de absurdo e ainda que passem os dias, ainda são lembrados como algo que valeu a pena?

Em nome do consumo puro e simples, as produções acabaram por abrir mão da sua vocação de pensar o mundo. E os telespectadores, os poucos que ficaram, apenas consomem imagens e nada mais...



Comentários

  1. Concordo plenamente com vc!!!Atualmente é difícil a novela que passe algum valor ..ou que façam as pessoas pensarem..As antigas ou anteriores foram bem melhores!!!
    .A TV.brasileira atual é de uma pobreza que chega a impressionar!!!Só querem ibope p/ faturar mais!!!

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  2. Sua análise foi perfeita.Hj na tv fala-se sobre qualquer coisa, menos sobre aquilo que de fato importa.

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