BEM AVENTURADOS

É muito interessante a gente ler os textos do passado (incluso aqueles que chamamos de SAGRADOS) e perceber que sua interpretação depende da época em que vivemos (sim, já foram lidos de formas diferentes da que podemos ler hoje) e podem inclusive ter sidos instrumentalizados de acordo com o interesse de quem os lê e interpreta.

Mas não só.

Mesmo lido na época presente, muitas são as possíveis interpretações e interesses que nascem dessa leitura. E verdade seja dita: NÃO HÁ LEITURA NEUTRA E MUITO MENOS INTERPRETAÇÃO QUE NÃO SEJA PASSÍVEL DE DUBIALIDADE.

O que se pode fazer (e os mestres em semiologia nos incentivam) é que se preserve o máximo da característica do texto no SEU contexto e busque olhar ao redor e descobrir QUAIS pretextos usamos para ler e interpreta-lo hoje.

Para alguns puritanos isso soa horrível, porque pensam que se perdeu daí a perenidade das Sagradas Letras. Discordo! Com isso se faz uma reverência à essência das Letras e se busca responder a si mesmo porque ainda quero ler esse texto? Porque ele ainda faz sentido pra mim? O que ele gera em mim quando o leio com profunda reverência e paixão?

Fiquei pensando nessas coisas enquanto ainda hoje tomava algumas providências para organização da casa e me preparava para escrever minha meditação.

O evangelho proposto para nossa meditação hoje é o de Lc 6, 20- 26: as bem aventuranças.

É um texto contundente e cheio de possíveis interpretações. Mas o que o texto quis dizer no seu próprio contexto?

Jesus está com seus discípulos e diante de uma multidão. Provavelmente as pessoas que estavam naqueles grupos eram pessoas chamadas de pobres e tinham todas as características daquilo que Jesus fora nomeando.

Mas ele os chama de BEM AVENTURADOS...

Uma aventura se caracteriza por propiciar uma jornada cheia de riscos e de possibilidades que surpreendem pela importância e pelo desenrolar da mesma. De qual aventura falava Jesus?

Os bem aventurados na narrativa têm características específicas: são pobres, famintos, chorosos, odiados, expulsos, etc.

A aventura da qual fala Jesus é a vida como um desenrolar que acontece nos pilares da história e define que essa aventura que todos passam mas que no caso dos pobres tem sofrimentos não o é por castigo nem mesmo por providência. Isso acontece porque existe o outro grupo que se apodera das coisas e faz de tudo para que sua felicidade seja fruto da desonra do outro.

Em tempos passados (e eu não me surpreenderia que ainda hoje alguém lesse ou pior, alguém pregasse) mas o texto era lido como um incentivo a passar pelos percalços desse mundo sofrendo e esperando que no outro mundo, após a morte tudo se resolverá. E com isso se gerava nas pessoas uma infinita espera pelo que lhe é direito. Ter uma boa aventura nesta vida...

Mas o texto continua e dá nome aos bois.

Da mesma forma que fala dos pobres aponta o outro extremo, os ricos.

Os famintos e os que têm com fartura.

Os que riem de tudo.

Os elogiados e reverenciados.

E melancolicamente termina dizendo que foi justamente assim que foram tratados os falsos profetas.

Jesus parece ter clareza que o sofrimento do povo é causado por pessoas do próprio povo que fazem da sua aventura um esnobar e destituir a aventura do outro.

Não se trata de dizer que só o fato de ser pobre ou rico isso já determina quem é bem ou mal aventurado. Não posso afirmar isso. Mas trata de uma mentalidade que pode estar em qualquer dos grupos e gera a falsa noção de que pra minha aventura valer a pena, preciso tirar do outro o direito de viver a dele com bem aventurado.

Para nosso contexto se trata de pensar que é escandaloso o fato de existir pessoas e grupos que sugam e tiram do outro o direito de viver e a possibilidade de fazer valer a sua aventura. Mais do que constatar é preciso perguntar: ATÉ QUANDO A AVENTURA COMO DOM DE DEUS SERÁ TRATADA COM TANTO DESPREZO A PONTO DAS PESSOAS SE PERDEREM PELO CAMINHO?

E acho ainda que será preciso perguntar-se: INDEPENDENTE DA QUESTÃO DE CLASSE, HOJE EM QUAL DOS GRUPOS ESTOU? NOS BEM AVENTURADOS QUE ACREDITAM NA POSSIBILIDADE DE VIVER A VIDA COMO UMA CONQUISTA QUE NOS SURPREENDE COM OS DIREITOS BÁSICOS RESPEITADOS OU NAQUELE QUE AINDA PREFERE SE ALIMENTAR DA DOR DO OUTRO...

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Fiquem bem.


Comentários

  1. Excelente o texto. Na escrita/leitura ou na interpretação sempre haverá a dubialidade, às vezes ou na maioria das vezes lemos nas entre linhas..( com certeza erramos muito na nossa interpretação) a verdade é que qq que seja o grupo que nos encontramos podemos e devemos mudar...pequenas mudanças, mas concretas - aí quem sabe veremos como é compensadora a mudança no nosso jeito de agir.

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  2. Bonito texto e muito significativo seu conteúdo!!!

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