ATÉ OS CACHORRINHOS?

Acho muito engraçado quando ouço falar em alguns círculos conservadores (e muitos deles, católicos) que as mulheres não devem almejar igualdade de gênero e por conseguinte , igualdade de direitos e deveres. Quase todos se apegam à tradição machista ocidental que trata as mulheres como cidadãs de segunda categoria.

A graça que eu vejo está localizada no fato que Jesus tinha uma perspectiva totalmente inovadora e revolucionária para sua época e os evangelistas, fazem questão de retratar. O que indica, no mínimo, o grau de importância que o fato no conjunto da missão do Reino.

O evangelho que meditamos hoje (Mt 15, 21- 28) é um exemplar que ilustra e sana toda dúvida dessa temática.

A história é a da mulher cananéia (pagã) que tem uma filha que está atormentada por um demônio (atenção que não sabemos nada sobre esse tormento). Deve ter ouvido falar sobre Jesus e quis arriscar a sorte pedindo-lhe que a ajudasse naquele intento.

Caso você continue a ler o texto sem uma breve pausa, você começa achar que estamos num programa de auditório, desses barraqueiros em que a pessoa grita pra conseguir alguma coisa. Mas calma, leia de novo...

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Jesus se desloca para a região de Tiro e Sidônia: terra dos pagãos... Não deve ser à toa que isso ocorre. Ele quer também conhecer e se achegar desses que foram cortados da tradição salvífica proposta pelo judaísmo.

A mulher entende que se Ele foi até lá era porque queria ajudar e sai correndo e implorando MISERICÓRDIA...

O coração do sofredor só pede que Deus cuide agindo com misericórdia.

Jesus, formado na tradição judaica trata com desdém a mulher num primeiro momento. Não para para escutá-la e nem se atém a entender porque ela o procurara. Surge a figura do judeu carrancudo e obtuso que entende que a Salvação é dom apenas para os judeus.

Os discípulos, mais do que depressa também tratam de querer impedir que a mulher se posicione. Pedem que Jesus a mande embora... Imaginem se alguém que nunca tivesse conhecido a mensagem de Jesus lesse apenas essa pequena parte do texto...

Jesus se sente obrigado a justificar-se: FUI ENVIADO SOMENTE ÀS OVELHAS PERDIDAS DA CASA DE ISRAEL... Parece querer dizer: faço só o que me mandam.

Mas mulher não se dá por vencida e, diferente do que muitos comentaristas afirmam que ela se humilha para pedir socorro, vejo nela uma mulher empoderada que sabe muito bem que está diante de alguém que pode ajuda-la e que, querendo ou não, ela também tem direito a ser olhada por Deus.

Jesus vai ficando sem saída e invoca um ditado popular da época: NÃO PARECE JUSTO TIRAR O PÃO DA BOCA DOS FILHOS PARA JOGAR AOS CACHORRINHOS...

Há de se dizer que naquele tempo, ninguém tinha cachorro como bicho de estimação e por trás do ditado popular tinha uma ideia horrível de considerar os pagãos como cachorros que ficam procurando comer sem ter o direito a isso...

E aqui a mulher se propõe a fazer uma catequese com Jesus. Com uma única frase ensina-lhe: MAS OS CACHORROS TAMBÉM COMEM AS MIGALHAS QUE CAEM DA MESA DOS SEUS DONOS.

É como se dissesse: TIRAR DA BOCA DOS FILHOS NÃO É JUSTO, MAS TIRAR-LHES O DIREITO DE COMER AS MIGALHAS É DESONROSO DEMAIS.

Jesus mediatamente toma consciência do que estava acontecendo ali, à sua frente e declara: TUA FÉ É GRANDE MULHER. VOU FAZER O QUE ME PEDE...

Como disse acima alguns autores na intenção de preservar a divindade absoluta de Jesus impedem que vejemos que ELE TAMBÉM ESTÁ NUM PROCESSO DE CONSTRUÇÃO. E mesmo que tenha clareza da missão, ainda se deixa tocar pelas contradições que a vida apresenta...

A ousadia da mulher e a disposição de Jesus em deixar-se afetar pelos acontecimentos ao seu redor é de uma grande imensa. Pois se ela tivesse se calado, não teria ocorrido o crescimento e a mudança de atitude de Jesus e por conseguinte dos outros que observavam a cena.

Essa coragem feminina e essa sensibilidade de Jesus me encantam.

Esse evangelho nos faz pensar em tudo o que se pode fazer com um pouco de ousadia e uma pitada de sensibilidade e disposição em aprender e acolher...

Deus é bom.

Fiquem bem.

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