DEPENDE DE COMO OLHO

Uma das coisas mais difíceis de ser assimilada por quem lê e medita a Palavra de Deus é que ela nunca foi escrita "a priori" e sempre "a posteriori" dos fatos.

O que significa isso?

Significa que ela não é um desvelamento do futuro como quem faz previsões e adivinha o que será dentro em breve ou no final dos tempos. Ela sempre é uma leitura orante da vida a partir dos acontecimentos e do entendimento daquilo que Deus espera de nós.

Com isso, muitas das coisas que entendemos como previsão catastrófica do futuro nada mais é do que um olhar sobre o que acontece no presente e é interpretado pelo entendimento da graça.

Mas tem gente que tem calafrios horríveis em pensar assim porque imaginam que com isso, a Palavra perde a dimensão divina da mensagem.

Eu penso o contrário.

Para mim, o divino está na maneira como o humano vai se entendendo e se descobrindo tendo como referência Deus e sua mensagem.

Portanto, no meu entender, Deus fala a qualquer hora e lugar bastando apenas que eu deixe um pé na coerência da mensagem e outro na esperança de ser capaz de ir adiante. Deus tá aí.

Como estamos chegando ao final do ano litúrgico (domingo pp celebramos Cristo Rei) os textos bíblicos dessa semana são todos da Parusia, do final dos tempos.

Hoje por exemplo, Lucas fala dos acontecimentos que a comunidade viverá antes que ESSAS COISAS ACONTEÇAM.

Para ler como previsão, então tudo fica extremamente catastrófico e amedrontador. Para ler como acontecimento real do presente daquelas comunidades, ficamos mais cheios de esperança porque vemos que eles, assim como nós, passaram por perrengues e abusos e ainda assim sobreviveram e mantiveram acesa a chama da esperança.

O texto é pesado:

> sereis presos;

> perseguidos;

> entregues às sinagogas;

> postos na prisão;

> levados diante das autoridades;

> sereis entregues pelos pais, irmãos e amigos;

> sereis mortos;

> todos vos odiarão;

A descrição é assustadora e absurdamente desmotivadora.

Quem lê achando que está diante de previsões se assusta e acaba abandonando né? Quem quer pra si tanta desgraça?

Mas quem lê com os olhos da fé cheia de esperança detecta já no seu dia a dia muitas dessas coisas (senão efetivamente, mas como simbologia de muitas coisa que pode tirar sua vontade de viver) e aí descobre que esses acontecimentos já estão entre nós de muitas maneiras diferentes e em graus também assustadores...

A comunidade primitiva sofria pela morte do seu Senhor e por ter que viver a perseguição. Para eles aqueles momentos iniciais da fé já eram também uma espécie de fim dos tempos.

E o que fazem?

Para manterem-se unidos e com confiança, relê os acontecimentos que já estavam ao seu redor, com olhar da esperança brotada da boca do próprio Senhor. E experimentam o consolo...

Tudo isso (o que descrevi acima) já está acontecendo e pensavam: MAS NÃO PERDEREMOS UM SÓ FIO DE CABELO DA NOSSA CABEÇA. É PERMANECENDO FIRMES QUE IREMOS GANHAR A VIDA (essa é por sinal, a conclusão do texto).

Para nós essa esperança alimenta nossa caminhada e faz a gente querer andar com alegria mesmo que diante de tantos abusos e dificuldades.

Quando faziam isso (e quando fazemos também nós) não deixam o medo paralisar ou os enganadores da fé nos ludibriar levando para uma religião de conforto e passividade.

Faz a gente erguer a cabeça e por os pés na estrada sabendo que não caminhamos sós e muito menos esquecidos. E os problemas (quantos e tantos) vão ser para nós motivos de luta e de confiança.

Fiquem bem.