VAMOS PARA A OUTRA MARGEM

Às vezes nos textos dos Evangelhos a chave para entrarmos na compreensão da Palavra está nas letras mais simples e eu diria até banais. Para entrar na casa da Palavra deve-se utilizar a chave que nos capacita para entender o mistério de Deus.

Hoje, sábado, meditamos o texto de Mc 4, 35- 41. Nele encontramos um belo exemplo desse mecanismo.

É o cair da tarde. O que na cultura judaica significa o início de um novo dia. Todos sabemos que essa sensação de um novo dia abre uma série de possibilidades para a esperança, mas também para a novidade das coisas. Jesus é essa novidade e essa boa nova do dia que se apresenta.

Ele faz um convite: VAMOS PARA A OUTRA MARGEM...

Margem é sinônimo de segurança e por isso esse convite é nossa chave de leitura. Ir para a outra margem significa confiar na travessia e, desinstalar-se daquilo que pode te manter no dia velho.

No novo dia, uma nova maneira de encarar os acontecimentos.

Essa chave de leitura nos ajuda a entender porque vem a tempestade durante a travessia: os medos e incertezas de cada dia não são pausados somente porque estamos seguros na margem. Isso é fantasia. Viver é arriscar-se e estar na barca é a garantia dos que creem.

Desde muito cedo na Igreja os pensadores trataram de entender essa barca como sendo a Igreja onde Jesus está presente e dá a segurança para a travessia. Ve-lo dormindo enquanto os tripulantes padecem não é descaso, mas confiança da parte Dele com relação a nós...

Ele confia na capacidade dos membros da Igreja de entender o processo de travessia.

Ele confia na organização que esses tripulantes podem fazer para se ajudarem e suportarem a passagem.

Ele confia que o grupo não ficará acuado e portanto, não se deixará intimidar por manter-se seguro na margem e portanto, sem vontade de viver.

Ele confia que nada é superior ao poder de acreditar em si e nos demais e em Deus.

Por isso, Jesus ao ser acordado até apazigua a tempestade mas se mostra cético com a nossa falta de confiança...

Sua pergunta AINDA NÃO TENDES FÉ dói na alma porque coloca em xeque nossa maneira de acreditar: só nos sentimos seguros se Ele estiver fazendo alguma coisa em nossa favor? Isso não seria coisa do dia velho???

No novo dia, não se trata de abrir mão da sua presença e muito menos de sua intervenção. Mas se trata de aprender a trabalhar e vencer os desafios sabendo que sua ação virá independente de nosso pavor. Ele não abandona, não esquece, não deixa a deriva e muito menos espera afogar para depois agir.

Apenas quer que aprendamos que PASSAR PARA A OUTRA MARGEM significa entender a dinâmica da vida e saber que os temporais, tempestades, ventanias e desacordos virão e nada disso afundará a barca se ELE ESTIVER JUNTO.

Às vezes pensamos que Jesus tem que ser protagonista da nossa vida. E talvez isso seja um erro...

O protagonismo de cada vida é de cada sujeito criado e amado por Deus e dotado de capacidade de elaborar os caminhos e direções em que vai andar. Quando o sujeito faz isso na barca com Ele, a confiança se instaura e, mesmo que Ele durma, nunca estaremos sozinhos.

Navegar é preciso. Viver não é preciso como diria o poeta.

Fiquem bem.