A VIDA SEM PROFUNDIDADE

Eu sei...

Sim eu sei que nos tempos de velocidade informativa e de cursores que determinam o que realmente importa ao "deus mercado", as notícias não são reflexivas e sim meramente informativas e "experimentativas" (se der muitos likes e sinal que deveria ser noticiado; caso contrário, partamos para outra).

Mas se quem produz notícia não tem capacidade de reflexão e se deixa guiar apenas e tão somente pela relevância aprovadora do dedinho pra cima, existe um grande risco no ar. Afinal, produzir notícia significaria em tese, produzir reflexão sobre os fatos que são notícia. Quando isso não ocorre...

Já faz algum tempo que abri mão do gosto de acompanhar uma novela de cabo a rabo. Sim, fui noveleiro confesso e tenho saudades dos tempos idos em que novela era pensar o Brasil e a realidade em que vivemos. Mas recentemente fiz um curso se semiótica e fui novamente instigado a pensar um pouco esse instrumento que, querendo ou não, é o grande objeto do diálogo da cultura com a vida de milhões de brasileiros.

As histórias tiveram que se adaptar aos tempos modernos e quase todas, giram em torno das novas mídias. O tempo de criação e de execução das histórias também foi alterado e um ritmo frenético acabou se colocando dentro das cenas. Isso sem contar na busca alucinada por números no IBOPE. Tudo isso junto e misturado, temos uma obra artística que se arrasta por 150 capítulos e entra e sai da casa da maioria dos brasileiros sem deixar nenhum pensamento profundo e apenas cumpre seu papel de entreter e gerar consumo.

Decidi que iria assistir a essa novela das 21h. Estou quase desistindo...

A história é tosca, pequena, sem nenhuma capacidade de fazer conhecer as emoções das personagens e quase tudo, gira em torno de um universo meramente fantasioso (o que não é um problema em si) mas que não produz nenhum auto imagem nem do ser humano e muito menos da realidade que vivemos.

Nos portais de notícias todos os dias se celebram a interpretação de alguns atores. Assustado, revejo a cena na net e nada de verdadeiro, apenas uns gritos e uns chiliques sem maiores profundidades.

Mas se celebram também os recordes que cada capítulo tem marcado.

Numa semana, a mocinha incógnita é presa,  a vingança se refaz e o juiz se vende. Tudo alucinadamente rápido e sem nenhuma profundidade.

Aliás, observem aqueles que têm assistido à novela: nenhum das personagens tem crise de consciência ética ou moral. Tudo é feito ao bel prazer. Ninguém discute consequência e ninguém reflete as escolhas. 

O que interessa é que ganchos fiquem sempre à disposição dos autores para que eles possam surpreender na próxima semana.

Mas o que isso tem a ver conosco?

Simples: acabamos assumindo essa lógica irreflexiva para nossa vida também. Basta que eu queira isso ou aquilo, que faço as tramas que quiser com o intuito de levar vantagens sem nenhuma preocupação com qualquer princípio ou conjunto de valores.

Essa permissividade agride e gera uma geração incapaz de fazer escolhas consequentes. O que se quer apenas é se dar bem no IBOPE da vida...

Fiquem bem.