NÁUFRAGOS DA MODERNIDADE LÍQUIDA

Achei o texto que segue do Pe. Alfredo J. Gonçalves um pouco difícil e que exige algumas referências filosóficas para poder entende-lo. Mas quis partilhá-lo assim mesmo pois é fundamental essa discussão da modernidade líquida e aqui, a discussão sobre os herdeiros dessa modernidade.

Mesmo que sinta dificuldade em ler e entender num primeiro, vá mastigando aos poucos, converse com outras pessoas, busque referenciais na internet mas não fuja da importância do debate.

Fiquem bem.





Formalismo, autoritarismo, populismo, liturgismo, fundamentalismo, individualismo, paroquialismo – eis, entre outros “ismos”, as referências aparentemente sólidas numa sociedade cada vez mais “líquida”. Esta metáfora de Zygmunt Bauman mescla e dissolve fronteiras, apaga as estrelas do céu noturno, retira da estrada os marcos orientadores, torna vazio e movediço o solo em que pisamos, ofusca metas e horizontes... Numa palavra, deixa-nos a todos meio órfãos, sólitários e perdidos.

Disso resultam os mecanismos de autodefesa. Escudos que aparecem nos mais diversos ambientes: política, educação, relações interpessoais, religião, movimentos sociais e organizações em geral. Curioso, entretanto, é constatar que tais “ismos” se revelam mais fortes, inflexíveis e intransigentes entre as camadas jovens da população. Jovens filhos órfãos de pais ausentes, embora convivendo sob o mesmo teto. Ou melhor, pais desprovidos de referências, impreparados para orientar as gerações que lhes seguem numa rota de evolução progressista. Símbolos de outros milhares e milhões de genitores, os quais, em meio ao oceano “líquido” da pós-modernidade, perderam a bússola. Em plena crise, melhor agarrar-se ao passado, ao status quo, ao que é conhecido; melhor evitar “aventuras” imprevistas, passos em falso e sobretudo pessoas estranhas.

Comecemos, por exemplo, com o autoritarismo de jovens políticos. Os nomes mais à mão são os de Emmanuel Macron, na França, e Sebastian Kurz, na Áustria. Mas a lista poderia prolongar-se a outros países e continentes. Em lugar de políticos promissores, mais parecem aventureiros sem raízes profundas e, não raro, sem um partido consistente, e sem um programa igualmente consistente. Ao invés de avançar propostas novas e criativas, de abrir horizontes desconhecidos, tendem a retroagir, nos moldes de quem busca segurança no “déjà vu” da política tradicional. Um retorno à posição de Direita e ao conservadorismo, onde é indisfarçável o receio de assumir iniciativas incertas, com suas respectivas responsabilidades. Ao clamor dos injustiçados e dos imigrantes que batem à porta, sobrepõe-se o medo e a segurança nacional.

Não é diferente com o formalismo, o fundamentalismo e o liturgismo. Neste caso, podemos abrir a porta dos ambientes religiosos. Bispos e sacerdotes rígidos e legalistas com a doutrina, o direito canônico, a liturgia e suas regras detalhistas ao extremo. Seminaristas, noviços e noviças que desde cedo se protegem no interior de uma indumentária que os mantém distantes do mundo infestado pela lama do pecado e da luxúria. Na ausência de uma opção pastoral e no vazio de referenciais, melhor a segurança de um uniforme que separa e identifica. No fim da linha, chega-se à intolerância, às fogueiras e ao risco da guerra santa. Nas vias intermediárias, a hierarquia, a pompa, o luxo, a tradição e a solenidade exacerbada – para não falar da ligação com o poder e o dinheiro – servem de escudo contra os males mundanos.

Quanto ao paroquialismo (deixemos de lado o termo tribalismo), convém lembrar que não estamos falando do conceito católico de paróquia. Trata-se, em lugar disso, de uma visão de mundo que gira em torna de uma determinada localidade: centrada no território, na língua, nos costumes e na cultura dessa região local e localizada. Como temos acompanhado recentemente, são inúmeros hoje os projetos separatistas espalhados por todo o mundo. Balcãs, Catalunha, norte de Itália, Escócia, Brexit, para citar alguns. Duas tendências se entrelaçam: se, de um lado, o paroquialismo pode revelar uma dimensão positiva de afirmação identitária, na contramão de uma globalização política e economicamente avassaladora, de outro, exibe uma dimensão negativa, que se fecha sobre si mesmo, numa espécie de gueto isolacionista, cerrando as fronteiras a tora e qualquer influências estranha e estrangeira. Outra coisa, evidentemente, é a luta justa e legítima dos curdos e dos palestinos pelo direito a um Estado territorial!

Conclui-se que semelhantes atitudes, em maior ou menor grau, buscam um ponto de apoio numa sociedade que rompeu com o “contrato social”, para voltar a Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques-Rosseau, filósofos do contratualismo. Nesse mar liquefato, como náufragos em meio à tormenta e batidos de todos os lados pelas ondas bravias, os representantes de tais “ismos” tentam desesperadamente encontrar uma pedra onde apoiar os pés. Na falta disso, vale qualquer tábua de salvação.

Comentários

  1. Muito valioso e Interessante o texto.!!!
    Sinto principalmente,pelos jovens que se sentem inseguros diante de uma sociedade que sofre mutações constantes,....cobranças cada vez mais complexas,...relações interpessoais superficiais....Onde pais não servem mais como referencias p/ orientar o caminho de seus filhos...
    Grata por partilhar.. e nos alertar..


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