UM POUCO MAIS ALÉM

Depois de mais de duas décadas como padre e gastando grande parte de o meu ministério no atendimento das pessoas que me procuram para conversar, partilhar, esclarecer dúvidas e buscar conforto, posso afirmar sem medo de errar que muitas pessoas preferem que nossas respostas e posições sejam preto no branco: sim sim e não não.

Aprenderam uma religião de sim e de não e acabaram por ficar fechadas num ciclo vicioso que fomenta apenas a determinação dada por alguém ou por uma instituição para orientar suas vidas. Claro, isso enquanto tínhamos um uníssono de vozes: no caso religioso a Igreja falava e todos mesmo quem não concordava, acabava aceitando como sendo certo e verdadeiro.

Engraçado que querem uma resposta fechada em si mesma e não refletir e assumir o protagonismo em suas vidas permitindo ser iluminada pela doutrina que se dispõe a seguir, mas também sendo responsável pelas próprias escolhas.

Mudaram-se os tempos. Apareceram outras vozes religiosas e até, vozes que negam o sentido religioso. O acesso a informação e a formação humana passou por mudanças extraordinárias e, o que era dito apenas no púlpito aos domingos, agora é dito e discutido por canais N de informação.

Com isso não quero dizer de modo algum que uma doutrina ou ensinamento deve ser dado ao sabor do gosto dos ouvintes. Uma Igreja se pretende séria manterá seus ensinamentos e procurará orientar seus fiéis a partir das verdades que a alimenta e rege.

No entanto, nada mais pode ser apenas preto no branco...

E não adianta espernear ou descaracterizar esse argumento dizendo que isso beira ao relativismo.

Trata-se de reconhecer que o mundo tornou-se mais complexo e carente de uma orientação que passe pelos caminhos da doutrina mas que se leve em conta a vida de quem vive os sofrimentos e dores diárias. Sem isso, religião nenhuma pode ter significância no mundo moderno...

Mas alto lá...

Isso que eu acabo de falar não tem muita novidade não!!!

Jesus já fazia e agia desse modo há dois mil anos.

Vejam o texto que motiva nossa meditação de hoje: Mc 10, 1- 12.

Na discussão com os fariseus Jesus é muito claro e ao mesmo tempo, bastante amplo no debate sobre o divórcio.

Os fariseus defendiam a lei que permitia ao homem despedir sua mulher de acordo com sua vontade e bel prazer: era comum os homens que se cansavam das mulheres que tinham em casa, invocar a proteção da lei mosaica e pedir divórcio alegando que a mulher deixou de fazer a comida que ele tanto gostava. Com isso a despedia sem nenhuma garantia social e podia se casar com uma mais nova ou mais perfeita.

Isso tudo feito dentro da lei!!!

Jesus sabia que isso acontecia e sabia também nas consequências que isso trazia para a sociedade: mulheres despedidas sem chance de um novo casamento eram obrigadas a mendigar ou buscar trabalho nas formas mais degradantes, vendendo seus corpos e ou seus filhos...

A lei permitia, mas era correto?

Jesus ao propor uma rediscussão quer na verdade que as pessoas pensem sobre os motivos que a lei estava permitindo aquela injustiça e, ao se recusar a aceitar o divórcio, muito mais do que defender os laços matrimoniais a qualquer custo, Ele quer que as pessoas amadureçam nas escolhas e se garanta a dignidade das mulheres face ao matrimônio alegado como fracassado. Tirar-lhes o peso da culpa e da condenação uma vez que eram elas as apontadas como as causadoras da separação.

Jesus quer ampliar nossa mente e reflexão e quer que a gente use a doutrina (a lei) não para perpetuar a opressão e a imposição de verdades que se enfiam goelas abaixo. Mas sim, que pensemos no alcance das ações legais e religiosas para que a doutrina seja plena e não limitadora da vida.

Ao ler esse texto devemos ter a perspectiva de ampliar nossa relação com a doutrina e com o conhecimento da fé e descobrir o quanto podemos e devemos agir segundo o bem maior (a vida) e não a letra.

Fiquem bem. 

Comentários

  1. Boa tarde padre! Suas palavras sempre confortam meu coração. Como divorciada, senti essa culpa durante muito tempo,pois sei que o divórcio jamais fez parte dos planos de Deus, mas certa de que a igreja nos acolhe e nos recebe, podemos mesmo em situação de divórcio viver em comunhão com Deus sem pecar Abraço! Fique bem também!

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  2. Boa noite padre! Sempre nos ensinando, nos orientando com muita sabedoria. Suas palavras são encorajadoras para nos aperfeiçoar, nos dedicar e conhecer cada dia mais os ensinamentos de Jesus.

    Obrigada!

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