PARTILHA 2
A ARTE DE CHEGAR
Chegar num ambiente diferente ao que estamos acostumados é
sempre um desafio. Sinto isso em coisas pequenas como entrar numa sala onde eu
desconheça a maioria das pessoas já me causa arrepios. Agora imaginem chegam
numa terra onde nenhum rosto lhe seja familiar e ou nenhuma voz lhe seja
reconhecível... sinto-me deslocado e completamente sem ação.
Mas nessas horas é sempre bom voltar à mística dos
Evangelhos: como será que acontecia com os primeiros pregadores do cristianismo
que tinham que, não somente se deslocar geograficamente, mas também mudar a sua
maneira de pensar e sentir pois a Boa Nova da qual eram portadores, exigia
revisar todos os ensinamentos e todas os modos de conhecimentos acerca da
verdade sobre Deus, sobre o mundo e sobre o outro?
E vejam que falo isso sem nenhuma pretensão de equiparar as
duas coisas. Aquele momento me parece ter sido muito mais exigente e muito mais
difícil do que esse que eu experimento agora. Mas guardando as devidas
proporções, o esquema pode ser aplicado e considerado como elemento motivador
da mística.
Minha primeira experiência com os indígenas de São Gabriel da
Cachoeira foi um pouco mais difícil eu diria, por ter sido o primeiro contato,
mas principalmente porque cheguei na sede da diocese e o bispo, querendo ser o
mais cicerone possível, queria encurtar os caminhos o que, na minha opinião não
é bom.
Penso ser importante esse tempo de silêncio e solidão com os
pensamentos e sentimentos de ambas as partes para que o coração encontre o modo
como vai se aproximar do outro. E quando decidi aceitar esse desafio, pensei
muito em como chegar nessas terras e evitar o erro (se assim podemos chamar)
que cometi por força da inabilidade da primeira viagem.
Depois de um sono restaurador, comecei a sair e me mostrar.
Como diz um amigo meu de uma outra região aqui do Amazonas: você
com esse tamanho e com esses traços diferenciados não poderia passar
desapercebido. Mas ser visto é uma coisa e querer ser conhecido é outra.
Aqui não sou turista e portanto, não posso me conformar com a
ideia de ser visto como diferentão apenas. Preciso ter atitudes de quem veio
para prestar um serviço e que só poderá faze-lo, se for capaz de conhecer o
outro e deixar-se conhecer também.
O sol é inclemente e portanto, transpirar faz parte da
rotina, ainda mais a mim que transpiro até no polo norte. Fui para a praça do
mercado onde as pessoas estavam comprando farinha, peixe e outras necessidades.
Ali precisava perguntar coisas e dizer coisas que abrissem possibilidades de comunicação:
que peixe é esse? Quem fez essa farinha? Sua goma já tem sal? Queria um suco
onde posso encontrar? Você me entregaria amanhã um litro de açaí pois agora
estou sem dinheiro?
Pequenas inserções que abrem espaço para a réplica: é
tambaqui, já comeu? A farinha é minha família que faz lá no sítio na estrada de
Marará, conhece, já foi lá ? A gente não põe sal não (e muitos risos) porque
você come com sal? Levo o açaí sim, onde você está hospedado?
E para cada réplica existe a possibilidade de uma tréplica e
a conversa se alonga...
Escrevendo talvez pareça algo forçado. Mas na prática é o
modo de chegar nas pessoas deixando-se tocar pelo que elas fazem e são e sem trata-las
apenas como ambulantes que vendem produtos.
O Padre Pedro me convidou para visitar as comunidades da cidade.
Sim, são 12.
Verdade que tem algumas coisas que não entendi: são muitas e
espalhadas pela cidade, algumas perto demais de outras, algumas apenas capelas
de devoção e todas muito réplicas de um modelo de igreja já superado, com
sinos, vitrais e coisas do tipo.
E não pensem que eu não saiba apreciar coisa bonita. Sei sim.
Mas no meio da mata se um vidro colorido quebra como fazer a reposição? Um dos
indicadores da cultura indígena é a circularidade onde todos se olham e falam
com a mesma importância de repente põe os pobres índios sentados um atrás de
outro parece ser um bloqueador na participação.
Mas é o que temos e portanto, é a partir disso que terei que pastorear.
O padre me parecia um pouco aporrinhado com tudo o que
aconteceu nos últimos tempos e, pelo fato de ter ficado sozinho a partir de
novembro do ano passado, parecia cansado demais com tudo ao seu redor e
necessitado de falar com liberdade para partilhar suas dores.
Passamos a tarde de sábado nos falando e tratando das coisas
que ele julgava importantes. Lembrei-me de uma fala do papa Francisco dizendo
que os pastores às vezes se ferem tanto quanto as ovelhas na luta contra os lobos
assassinos. Era um homem ferido...
Aos finais de semana acontecem na cidade 6 celebrações
eucarísticas e, enquanto eu ficar sozinho, deverei me animar e dar conta delas:
duas no sábado e quatro no domingo. A pedido dele, fomos juntos a todas essas
missas e nos dividíamos em presidir e pregar para que não nos cansássemos.
Confesso que isso não me agrada, não por motivos de controle
ou coisa que o valha. Mas sei que as comunidades queriam se despedir dele e a
minha presença, poderia representar um certo bloqueio. Como agradecer o que
parte já olhando para aquele que chega? E dito e feito: tudo ficou muito
confuso. Mas depois da segunda celebração entendi que se tratava de algo mais
importante para ele: não queria estar sozinho porque parecia lhe faltar as
forças e um padre do lado poderia representar apoio. A caridade de Cristo nos
impele a isso também.
O que vi nas comunidades?
Em primeiro lugar um carinho muito grande com o Padre Pedro.
Sem dúvida é alguém que fez muito bem a todos. Depois, um certo desarranjo nas
funções e uma concentração nas mãos de alguns e algumas. Por fim uma vontade de
rezar ainda que falta-lhes um porque estamos aqui...
Algo que me deixou muito incomodado (apesar de saber que sozinho
não será possível modificar ainda) é que na igreja matriz (que fica na beira do
rio, no centro da cidade) exista apenas uma missa no domingo às 19h30. Não que
eu considere que a matriz seja mais importante que as demais comunidades (quem
me conhece sabe o que penso). Mas ela é referência simbólica e onde as pessoas
que só vão à missa buscam se encontrar com Deus. Um turista (e aqui tem muitos)
não vai se deslocar para os bairros periféricos para participar da missa. E
isso vai exigir uma administração do tempo e das forças.
Preciso registrar também que a quantidade de documentos
escritos e apontados pelo padre é absurda: me entregou 4 livros com resumos dos
seus sete anos de ministério aqui em cada comunidade (ufa...). Além de ter atas
de todas as reuniões.
Também fiquei pensando em como dar conta das comunidades
ribeirinhas que, sozinho, nem ele e nem eu, podemos fazer muita coisa. As
comunidades ficam muito distantes e exigem 15 dias de viagem. São duas semanas
no rio sem voltar para a cidade e portanto, sem ter como atender a cidade. Mas
são pessoas que precisam e merecem a visita da igreja...
Financeiramente a coisa está bem organizada. Mas preciso
registrar que isso tem a ver com a captação de recursos que ele e o outro
padre italiano faziam em seus países. Aqui não sei se conseguirei manter a
paróquia com o que entra e, por ser brasileiro, não teria outras fontes para
buscar.
Durante essa semana, vou também ao rádio no programa que a
Igreja tem às 6h45 todas as manhãs e na quarta feira, fico a tarde na cadeia
visitando e conversando com os presos. Prometo voltar a esses assuntos em
breve.
No mais, vou me adaptando e tomando pé da situação.
Infelizmente a internet é péssima e não consigo mandar as fotos que tenho
feito. Por inabilidade também não consigo tirar do celular e mandar no pen
drive para Manaus e o Deliomar postar a todos. Comprei uma câmera que talvez
facilite enviar as fotos também para Manaus através de pen drive. Mas não
prometo.
Abraço e rezem por mim...
Fiquem bem.
Bom dia! Escreve como se estivesse falando....(perfeito! !!) Ri sozinha - (como nao vê lo?---tamanho, cabelo, jeitao simpático? ) seu amigo tem razão. ...vi vc 'prosear' com os feirantes--- muito bom e produtivo.rsrs---Garanto que cativou à tds!!//// Logo a igreja terá seu jeito, tds vao amar seu jeito de pastorear......Abraço
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirMuito bom ler os seus escritos e saber que apesar das dificuldades está se adaptando. Tenho certeza de que logo será amado por todos.
ResponderExcluirQue Deus o abençoe sempre. Conte sempre com nossas orações.
Abraços.
Eu novamente pe.....qdo fui em N O falar com vc, entendi que a cidade era Toledos-----cheguei procurei no Google e nao encontrei pq era Barcelos-rsrs///Domingo qdo li procurei Barcelos amei as fotos tao parecida com SGC---a igreja parece idêntica- e um pouco de sua história- --foi capital de Amazonas----- P Luis tbem é cultura pq senão nem saberíamos a existência desses lugares .rsrs Abraço
ResponderExcluirQuanta missão heim...E já na ativa; locutor, visitas aos presos, á feira as comunidades..chegou chegando! Pe. Pedro foi abençoado e os comunitários mais ainda. Rezar..Sempre..P/ que Deus lhe proteja, Ilumine e o guarde. Abraço!
ResponderExcluirSó consigo me lembrar do... ---_Tem bacon?
ResponderExcluir_Não aqui não tem bacon.
5 minutos depois, moço o que é isso? Como vocês chamam aqui?
_Isso é bacon
Hahahahha
Te amamos tio
Estamos com saudade, mas com a consciência que aí é seu lugar por hora.
Boa tarde ..Desculpe pe ,mas não contive o riso ao imaginar vc chegando morto de cansaço aí em Barcelos ,e o pe querendo conversar...rsrs Vi até sua feição de descontentamento.!!!
ResponderExcluirSão varias comunidades p vcs darem conta, não.??..Puxa..vida!!!
Mesmo que vc não esteja de acordo com alguns acontecimentos...devagar vc vai colocando as coisas no eixo, e da sua maneira...,e cativando td mundo por aí...
Gostaríamos de ver as fotos...abraço
É bom saber que apesar das dificuldades está se adaptando, tenho certeza de que logo será amado por todos.
ResponderExcluirQue Deus abençoe o senhor nessa missão e que volte a ter conosco o quanto antes.
Abraços.
Oiii Padre... ri alto de imaginar você puxando papo com o povo... mas achei sensacional sua abordagem! Acho que não pensaria nisso... e é claro, no mercado, melhor lugar não há para conversar e conhecer os costumes locais.
ResponderExcluirQuanto a quantidade de trabalho que tens pela frente só posso lhe dizer "coragem", e quanto as mudanças que já detectou como sendo necessárias "paciência". Do mais fique com minhas orações.
Obrigada pela partilha. Abç.
A Padre luiL quanta falta nos faz,suas palavras,seu jeito de explicar,quantas risadas ri suas missas, tão carinhoso com as pessoas,crianças sei que é uma missão desafiadora,mais sei também que é capacitado a isso,ler suas escritas nos faz bem,que Deus o abençoe sempre, estará sempre em minhas orações,estamos a espera de sua volta e eu creio nisso,saudades e fique bem também 🙏
ResponderExcluirQue alegria ter notícias suas,palavras maravilhosas como sempre,quanta falta esta fazendo a nós,mais sei que é capacitado para essa missão,estamos morrendo de saudades e fique bem também
ResponderExcluirOlá Padre Luiz,!!! Fico muito contente por ter notícias suas, fico imaginando que é difícil a vida, a situação, mais pra você que é um ser grande, que não padpa despercebido por ninguém, vai tirar isso de letra muito fácil!!! Boa sorte nessa nova etapa da sua vida!! Espero poder te encontrar logo.
ResponderExcluirAbraços
Aline e Neto!!!