PARTILHA 4


UM POUCO DO GERAL:

Tenho pensado muito nos últimos sobre o processo que se deu e se dá de urbanização dos lugares, culturas e pessoas.

Talvez o termo sociológico correto nem seja mais URBANIZAÇÃO e sim, globalização uma vez que não estamos apenas saindo de um lugar geográfico com características rurais e indo para uma realidade urbana e sim, estamos fazendo com o mundo (com suas maravilhas e limites) se torne cada vez mais uma realidade apequenada nos contextos de cada um, incluso aqui, os lugares e realidades mais rurais.

Sentia isso quando estava ainda em Nova Odessa que, guardando todas as diferenças, já era uma realidade bem urbana e sinto isso aqui de modo particular: estamos no meio da mata, cercados de rios e floresta por todos os lados, sem nenhuma estrada pra lugar nenhum desse mundo, com distâncias imensas a serem vencidas apenas e tão somente pelas águas, mas ainda assim nos deparamos com o mundo inteiro representado aqui em inúmeros fatores e sentidos.

Comecemos pela quantidade de estrangeiros que se encontra por essas bandas...

Alguns são apenas turistas. Vêm para conhecer o coração da floresta, dos rios, da nossa ancestralidade...

Outros vêm por obrigação profissional. São militares, professores e monitores que trabalham com algo específico.

Outros são apaixonados pelo lugar e pelas pessoas... quanta gente de outros lugares do Brasil e do mundo que, formados em diferentes áreas do conhecimento, deixam suas terras, casas, famílias e se mudam para essa região e casam-se com pessoas nativas daqui...

Isso sem contar os fenômenos propulsores de toda essa dinâmica: TV e internet. Tudo o que vemos fora daqui e que seria muito urbanizado, aqui se faz representar de muitos modos diferentes.

Ao andar pelas ruas da cidade ou mesmo em participar de um encontro e ou reunião, percebemos rostos indígenas, pele marcada pelo sol e de repente, cabelos pintados ou cortados como a da modelo ou jogador da moda.

Todos (quase sem exceção) andam com um celular no bolsa ou na bolsa e, mesmo sem nenhuma possibilidade de se usar a rede móvel de internet, usa-se para ligações, para se ouvir música, e outras coisas que ainda não sei e não entendo porque... (rsrsrs).

Muitos dos profissionais que exercem algum tipo de “autoridade” na cidade são brancos. E como tais, são esforçados em tentar ajudar a manter a ordem e dinâmica do lugar. O que percebi nas conversas com o Delegado, Juíza, Prefeito, Promotor é que a mera aplicabilidade do legal ou das consequências do jurídico aqui fica muito difícil. Há de se pensar, senão efetivamente pelo menos no bom senso das autoridades, uma adaptação do que seria o possível nessas terras.

Não se trata de escalonar a lei e suas consequências como se quisesse dar espaço para a dubiedade. Mas se trata de saber que estamos num lugar onde culturalmente as coisas têm sentido e desdobramentos diferentes, ainda que na cabeça de muitos, o fenômeno da urbanização já chegou com seus males.

Volto ao tema do tempo...

O tempo aqui não tem a correria e as dores que encontramos aí. Mas o tempo precisa ser valorizado porque as pessoas querem e precisam ser ouvidas, socorridas, atendidas, recebidas, cuidadas e para isso, sem organização, tudo fica mais difícil...

Mas é difícil de se entender a lógica que se estabelece nas questões cronológicas e geográficas. Explico: uma pessoa que mora no Marará e que, reclama por andar algumas quadras para chegar na capela da comunidade para a celebração pode muito bem sair de sua casa (sem nenhum motivo aparente) e caminhar por horas numa estrada no meio da mata, com buracos e lama e vir até a Igreja Matriz para pedir para o padre dar-lhe uma bênção... Mas e se o padre (que não sabia que essa pessoa viria e faria esse sacrifício todo) não estiver na sede da paróquia porque ou está nos rios, ou numa atividade na cadeia, ou visitando uma comunidade do outro lado da cidade ou mesmo se está doente e não puder atender bem essa pessoa?

Percebam que tem uma lógica de busca e de sacrifício que deve ser respeitada e valorizada. Mas vejam tem uma iniciativa impensada que precisa ser educada para que a pessoa não faça tudo isso em vão. E como equacionar isso e outras tantas demandas?

Como pároco recebi também a missão de cuidar da Rádio da cidade, da Cadeia Municipal, de uma farmácia com remédios naturais e da Pousada que fica aqui ao lado e é fonte de renda para as obras da Diocese. Humanamente falando é quase impossível dar conta de tudo isso e, infelizmente, não há tantas lideranças aqui que possam assumir tarefas administrativas. Eis um outro desafio... despertar e formar tais pessoas.

Já tive a oportunidade de visitar e celebrar em todas as comunidades da cidade. São 12 e todas elas muito acolhedoras ainda que sem entender direito o porque que os padres que aqui estavam foram embora e porque eu, um paulista, envelhecido e grande demais (sim, eles são muito baixinhos e me olham com certo medo) vim para estar em Barcelos. Os motivos não podem e não devem ser valorizados demais por respeito às pessoas envolvidas e às dificuldades encontradas, mas ainda sou visto como um intruso...

Mas já vejo um movimento bem interessante das pessoas se aproximando para escutar o que temos para propor... Estive no Colégio São Francisco de Salles e foi um encontro muito interessante com os alunos. Na cadeia fiz algumas propostas para o encaminhamento da visita semanal e, da parte da Juíza recebi o aval e o apoio esperando somente o delegado concordar. Na reunião de liturgia que tivemos para preparar as solenidades que se aproximam (a saber: Pentecostes, Nossa Senhora Auxiliadora que aqui é tida como padroeira mesmo sem ser, Encerramento do mês de maio e Festa do Corpo de Deus) percebi uma equipe atenta e disponível para ouvir e assumir novos desafios que desinstale velhos modelos e abra novas frentes de evangelização. Sexta próxima, teremos uma roda de conversa com todas as lideranças das comunidades mas também chamei pela rádio para que quem quiser venha para ouvir e falar sobre os caminhos que estamos vislumbrando para nosso trabalho. Tentando dar um sentido de esperança, reservei o Teatro da Cidade para que todos se sintam realmente esperados para esse momento. Em breve falo sobre isso...

Fiz a bobagem de me desfazer de um monte de filmes em DVD que tinha aí em SP.. agora estou sentindo falta porque existe a possibilidade de fazer sessões de cinema e debate com as diferentes categorias (professores, alunos, jovens, crianças, etc)... E isso é algo que parece ser bem vindo e todos esperam... pensando nisso, caso você também tenha filmes que já vistos e ou que não lhe interessem mais podem me enviar:

PE LUIS

AVENIDA MARIUÁ, 21- CENTRO

BARCELOS- AMAZONAS

69700-000

Por favor, pensem no estilo de filmes: nada que incentive violência e ou consumo de drogas, sexualidade deliberada... mas coisas que possam nos fazer pensar...

Na cadeia tenho ficado um pouco doído...

São duas celas de 6 m2 cada e que abrigam 25 presos. Na sua maioria jovens e quase todos por tráfico de drogas. A visita é muito tensa e cheia de urgências... estou nessa semana empenhado em conseguir alguns produtos de limpeza para que cuidem melhor do espaço e evitem a proliferação de bactérias e possíveis doenças...

Eles esperam pela visita com ansiedade. Nem sei ao certo se sabem o que motiva aquele encontro e não há grandes possibilidades de ação uma vez que ficam nas celas e eu tenho que falar e atender pela grade dando atenção a uma e outra cela... Mas procuro não julgar o que motiva aquele encontro da parte deles. Talvez até querem apenas alguém de fora para conversar. Mas fico profundamente tocado quando penso no místico que se estabelece nesses encontros: EU ESTAVA PRESO E FOSTES ME VISITAR...

Às vezes, fico encostado no corredor entre as duas celas deixando eles falarem aleatoriamente e me desligo da cena em si e só penso em adorar... Ele está aqui preso também...

No mais vamos caminhando ou navegando... a vida tem seus métodos para nos fazer viver e valer a pena cada segundo... Rezem sempre por mim e me comprometo rezar por vocês.

Fiquem bem.


Comentários

  1. Tanta coisa acontecendo por ai, e vc dando conta de tudo é bastante cansativo no meu pensar. Vc sabe que só o amor e a dedicação transforma e por isso sempre gostou de se dedicar aos que sofrem .....Pelo que sei dedicava parte de seu tempo pra visitar presidios e atuava junto à dependentes químicos desde os primeiros anos de sacerdote e isso mostra td sua humanidade- um jeito de despertar noutras pessoas o dom de tbem acolher e partilhar.Tantas ações resultarão em bons frutos, sabemos disso.Boa tarde padre Luís .Grata.Abraço

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  2. Boa noite Pe. Luís.
    É um grande desafio .
    E

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  3. Boa noite Pé. Luís.
    É um grande desafio .
    Entre tantas dificuldades ir descobrindo neste emaranhado de necessidades e urgênci-
    as caminhos e soluções.
    Estarei rezando pelo
    senhor na certeza de
    que logo estará entrosado realizando
    um grande trabalho .
    Fique com Deus.

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  4. A missão é grande são 12 Comunidades, mais já está dando conta. Que Deus continue a conduzir nessa missão com seus desígnios, e que bonito o acolhimento, a preocupação de cuidar daqueles que vem de longe na dificuldade do caminho, dos presos que esperam com ansiedade; Um olhar de misericórdia e uma bênção p/ suas vidas...tudo isso...simplesmente por "Amor".

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  5. Muito interessante os fatos que ocorrem aí, e como vc está lidando com eles, com bastante dedicação,cuidado e amor....A missão pelo que conta é bem ampla,e trabalhosa,...mas que dará muitos frutos com certeza!!!
    Que Deus lhe dê forças e saúde...pois capacidade vc tem de sobra...
    Continue bem .
    Abraço

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  6. Noossaaaa eu ainda não tinha lido essa partilha tão rica! Cada detalhe destas bandas que você descreve desperta ainda mais minha curiosidade de entender essa cultura tão diferente e que ao mesmo tempo (muito louco isso) quer usar a mesma roupa ou cabelo da moda que nós aqui de tão longe! E mais louco ainda é pensar que apesar da globalização, ainda é preciso compreender e respeitar esse povo de maneira a "adaptar" tudo o que de fora vem pra aí (inclusive as leis, e costumes religiosos). Desafiador tudo isso. Mas ajuda muito saber que estão abertos ao diálogo e as novas propostas do grandão aí! rsrs... Acho do alto dos meus 1,56m eu me sentiria em casa em Barcelos.
    No mais, fiquei intrigadíssima em saber o que os presos compartilham com você com tanta ansiedade... me compadeci pelas condições que você descreveu que eles vivem... sim, com certeza Ele está ali.
    Em comunhão. Abç.

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