PARTILHA 5
A CULTURA E
AS CULTURAS
Existem
algumas músicas que marcam a nossa vida e até uma geração inteira né? Eu sou um
verdadeiro colecionador desse tipo de coisas: tenho músicas que basta ouvir os
primeiros acordes e já estou revivendo aqueles sentimentos e ou experiências
que ficaram marcadas na minha vida.
Nessas
andanças pelo Brasil através de encontros, congressos ou mesmo passeio sempre
tem uma que marcou um momento de luta e de conquista ou derrota. E engraçado,
novas gerações que nem sempre viveram o momento, acabam também adquirindo esses
sentimentos. Claro, nem posso me atrever a querer reter os direitos autorais de
nada. Elas foram feitas para servirem de vivência mesmo.
Hoje queria
partilhar um sentimento novo que nasceu a partir de uma música velha, relida e
ressignificada nesse momento específico da minha história.
Os Titãs
cantavam no início da década de 90: A GENTE NÃO QUER SÓ COMIDA, A GENTE QUER
COMIDA DIVERSÃO E ARTE (ou coisa assim).
Naquele
momento, mais jovem e ainda com vínculos muitos específicos com a militância
política, cantava essa música a plenos pulmões desejando de fato dizer que
queremos mais do que simplesmente sobreviver. Precisamos viver...
Lembro-me de
um professor que na época já desencantado com uma série de coisas, dizia que era
fácil falar e cantar essa verdade tendo por base o que já se conquistou. Pra
quem tem comida todos os dias, dizer que se quer mais é muito mais fácil do que
para quem luta pra poder comer uma refeição por dia. Olhava para o seu Celso e
pensava que talvez ele não entendia o que queríamos dizer. Mas hoje sei que
talvez o desentendido éramos nós...
Quando fui a
Cuba fiquei encantado com algumas coisas e, do meu ponto de vista, parecia ser
uma qualidade de vida. Por exemplo, o fato de não se ter carros particulares
circulando e congestionando o trânsito. Parecia ser o céu aquelas avenidas
imensas e extensas de Havana. Tirei muitas fotos e comentava a todo tempo com
meu parceiro de viagem que aquilo sim era qualidade de vida.
Passados
alguns dias, fiz amizade com um motorista de lotação que, muito simpático e com
algum interesse chegou a nos levar para conhecer seu bairro (bem afastado do
centro turístico) e conhecer sua família. Até comi um arroz de mouro que sua
mãe gentilmente nos ofereceu. Depois que rolou uma confiança o motorista sem
medo de dizer o que pensava sobre a vida e o regime cubano me olhou nos olhos
quando elogiei o fator trânsito e me disse: PARA VOCÊS QUE VÊM AQUI PARA
PASSEAR E QUE DEPOIS DE ALGUNS VOLTAM A SUAS TERRAS E TÊM ACESSO A TUDO O QUE
APARENTEMENTE PARA NÓS NOS FALTA, É FÁCIL DIZER QUE ISSO É QUALIDADE DE VIDA.
MAS PENSE NUM CUBANO MÉDIO QUE NUNCA PODE SE LOCOMOVER DE UMA REGIÃO PARA OUTRA
SEM ANTES TER AUTORIZAÇÃO DA POLÍCIA DO QUARTEIRÃO. PENSE NUMA MÃE QUE PRECISA
VISITAR SEUS FILHOS EM OUTRA ÁREA E QUE NÃO TEM DINHEIRO PARA A LOTAÇÃO. PENSE
EM QUEM TEM QUE FICAR HORAS ESPERANDO A LOTAÇÃO DO GOVERNO CHEGAR...
Aquilo fez
eco dentro de mim e logo invoquei as falas do professor Celso e a música dos
Titãs... Se querer mais quando já se tem o básico parece ser bem fácil...
Claro que
preciso dizer que é assim mesmo que funciona a luta pela dignidade humana: nada
vem pronto e acabado e as conquistas vão se escalando à medida que descobrimos
o que nos faz ir além, do básico ao mais fino e acabado. Essa é a luta.
Mas fiquei
pensando tudo isso nessa semana em que estive ocupado com uma série de
atividades e preocupações que me fizeram voltar a essas memórias. A seguir
partilho uma reflexão sobre uma que me chamou muito a atenção...
Já são três
segundas feiras que estou indo ao grupo de jovens chamado JUVENTUDE MISSIONÁRIA
e que foi fundado e muito bem acompanhado pelo Pe. Pedro.
O grupo
funciona com o seguinte esquema básico:
Ø Todos chegam e montam o local
(chamado chapéu da paróquia) com as mesas de ping- pong, pebolim, TV e um
aparelho que funciona como uma espécie de videoquê de dança (onde os
participantes se desafiam nas músicas acompanhando a coreografia que o vídeo
apresenta);
Ø Durante uns 30 ou 40 minutos todos
brincam e se divertem;
Ø Depois se organizam para um momento
de reflexão onde se debate um tema ou leem um tópico do livro YOUCAT;
Ø Em seguida novo tempo para merenda e
brincadeiras;
Ø E por fim todos vão ao Santíssimo
Sacramento e fazem sua adoração em silêncio;
Bom a minha
função é estar com eles e acompanha-los caso precisem de ajuda e auxílio. No
momento da reflexão, quando percebo que estão patinando sobre alguma temática,
devo oferecer uma reflexão e uma pista para seguirem em frente.
Mas enquanto
brincam, procuro ficar de fora olhando e acompanhando os sinais que aparecem
dos encontros e desencontros entre eles. Geralmente sempre vem algum deles
querendo partilhar algo de suas vidas e ou bater papo mesmo sobre o Boi ou meu
time do coração.
Mas fiquei
pensando nesta última segunda feira sobre as danças...
Quase todas
as músicas são em inglês e mesmo as que não são, são pops ou funks brasileiros.
Eles dançam acompanhando as coreografias como quaisquer outros jovens que
conhecemos pelo Brasil a fora: sem entender uma palavra do que cantam e dançam,
vibram com tudo e se parecem com o mundo.
Aqui foi que
parei para pensar...
É justo a
gente criar e estimular esse tipo de comportamento mais uniformizado e que
atende aos padrões de uma cultura que se pretende cooptar as juventudes e
transformá-las em soldados de uma ideologia que serve ao sistema?
Minha
primeira reação a essas perguntas foram: não é bom e isso afeta a raiz cultural
desses jovens que vivem num ambiente muito específico e que retém uma
especificidade que determina não só sua cultura, mas tudo o que está ao seu
redor.
Qualquer
crítico de dança saberia reconhecer que, apesar de dançarem os passos dos clips
da Rihana ou da Beyoncê, a marcação de cada movimento era de quem está
acostumado a dançar toada de boi ou ciranda de peixe...
Mas depois
que vim pra casa e fiquei com essas preocupações circulando dentro de mim,
pensei melhor e me voltou novamente a fala do jovem cubano: pra quem vem de
fora e tem acesso a tudo é fácil dizer que os de dentro não deveriam ter os
mesmos acessos...
Aqueles
jovens estão conectados com o mundo querendo eu ou qualquer outro observador de
fora. Sabem do que acontece. Ouvem rádio. Trocam músicas pelo bluetooth.
Assistem TV e querem e se sentem integrados ao mundo.
Porque lhes
seria podado o direito de se sentirem jovens com os outros jovens?
Talvez o
problema maior para mim que observo e para eles que experimentam essas
contradições seja encontrar o caminho do meio, aquele que integra e que
organiza a vida garantindo o que realmente é essencial (e culturalmente é
fundamental que esses jovens não reneguem suas origens e raízes indígenas) mas
permitir que dialoguem com o mundo aprendendo e, oxalá, ensinando também acerca
do que são e fazem e acreditam.
É um
movimento difícil porque sabemos que a força do sistema que serve ao capital se
impõe e passa por cima de tudo e todos que não lhes interessa de imediato, ao
não pelo potencial consumo. Mas é algo que precisamos arriscar fazer.
Afinal não
seria justo que, por serem indígenas e estarem fora dos eixos culturais não
pudessem se sentir conectados com tudo e todos. Até porque isso é muito utópico
como se retomássemos o mito do bom selvagem que para se preservar se isola...
Já não temos
mais o tempo Macumaima...
Mas
simplesmente permitir que sejam peça descartável do processo de enculturação
que o mundo pop estabelece a partir tão somente do critério comercial e
consumista seria abandonar nossa missão de ajudar a escolher...
Posso tudo,
diria o bom e velho Paulo, mas nem tudo me convém...
Fiquem bem.
Bom dia padre! Suas partilhas maravilhosas e sempre trazendo novos conhecimentos e reflexões. Abraços! Fique bem!
ResponderExcluirMuito profunda e inteligente sua reflexão e preocupação, com esses jovens daí,...Cabe a vc orienta-los,como disse,..mas a influência do mundo globalizado é muito forte...difícil..heimm?
ResponderExcluirEm relação aos comentários de Cuba,conheço uma pessoa que tb foi lá a negócios, e me contou que eles pediam de presente,quando lá voltasse, produtos de higiene pessoal ,pois nem isso eles tinha acesso..De fora td parece muito bom,..mas na verdade..não é bem assim.!!!
Abraço e fique bem tb..
Sua palavras parece que estou vendo vc em suas homilias,a quanta saudades,mais fico feliz em saber um pouco dessas cultura e saber que vc esta bem ai...fiq fi bem também 🙏
ResponderExcluirMuito boa partilha... realmente sempre julgamos à partir das nossas verdades, do que temos e vivenciamos, por isso é tão difícil julgar e compreender outras culturas, regimes políticos, e até mesmo pessoas que estão perto da gente mas vivem uma realidade diferente da nossa. Especialmente quando se é turista, sempre é tudo mais fácil e mais belo quando se olha por fora e em superficialidade... até o "sofrimento" do outro é sempre mais poético.
ResponderExcluirAssim, superficial, também é o meu conhecimento sobre as culturas indígenas, e é por isso que me fascina e encanta poder conhecer mais profundamente através dos seus relatos... o que também me faz pensar que diferente do que te preocupa, talvez esses jovens estejam apenas querendo conhecer e viver também aquilo que pra eles é novo e diferente... não sei até que ponto isso os torna soldados do sistema, ou os faça não valorizar suas próprias culturas, entende?! O diferente é sempre mais interessante, ainda mais quando se é jovem! Mas acho que isso não é determinante para seus futuros. Alias, acho que é determinante para seus futuros que tenham sim acesso a tudo isso e possibilidade de escolha... assim como todos deveriam ter acesso a riqueza cultural daí. Imagina que incrível se nas rádios daqui de São Paulo tocasse as toadas dos bois (é assim que se diz?!)? Sei que dificilmente esse intercâmbio vai acontecer de ambos os lados mas isso sim seria a verdadeira globalização. Enfim... acho que viajei um pouco... hahaha... mas adorei saber do grupo de jovens daí! Abç.
Concordo com o pensamento da Má Feola, em relação aos jovens dessa região...
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