VAMOS ACORDAR O SOL

Dia 12 de junho de 2018...

Meu dia começou pela madrugada quando ainda muitos dormiam e eu, comecei a juntar as coisas necessárias para uma viagem pelo rio, pelo grande Negro.

Pelas 3h já estava tratando de pegar os corotes para combustível, preparando material de visita e ajeitando tudo na voadeira que sairia ali pelas 4h30.

O destino era as comunidades de Moura, Carvoeiro e Cauburis. Todas rio abaixo.

Confesso que nessas viagens o máximo que consigo fazer no nível da preparação é só isso mesmo porque o resto, o que de fato conta para uma viagem segura e tranquila, quem cuida é o prático, o responsável por pilotar a voadeira e o conhecedor das calhas do rio que nos engana constantemente.

Não sou de acordar tarde normalmente e nem tenho dificuldades em manter-me acordado depois que acordo. Mas nesse dia tinha dormido mal e estava muito cansado. Durante a viagem, mais de uma vez me peguei "pescando". E olha que cochilar sentado enquanto se navega e em meio aos banzeiros não é pra qualquer um... eu consigo...

A paisagem do fim da noite e da chegada da manhã mexe com nossas fantasias mais primárias. Os bichos acordando, o movimento da água que não parou, mas se apresenta como uma menina faceira que saiu agora de casa, os pássaros aos montes tentando cantar mais alto que o motor da voadeira... Tudo faz pensar na nossa ancestralidade. Tempos em que ficávamos em conexão com o mundo dos bichos.

O sono não me foi condescendente e me perturbou a viagem inteira. Queria me derrubar ainda que eu lutasse heroicamente para dele me livrar.

Foi aí que me lembrei um livro que li quando estava no segundo ou terceiro ano primário.

Na história um galo todo garboso por ser cobiçado pelas colegas de galinheiro contava a bravata de que o sol se aparecia a cada dia porque ele cantava para acordar o sol.

Essa bravata do jovem galo se justificava porque assim ocupava seu lugar no poleiro e angariava além dos suspiros das frangas que o admiravam, obtinha a raiva das demais aves masculinas que não suportavam tanta arrogância.

Mas ninguém se atrevia a discutir com ele. Afinal todos entendiam a importância do sol todos os dias para as plantações, para os animais e tudo ao redor. E gostavam de se sentirem cuidados pelo cocoricar do galo que, ainda a contragosto, cuidava de todos ao despertar o sol para a vida acontecer.

Mas um belo dia chegou um jovem galo que, viajado e meio malandro, sabia que o galo estava apenas contando bravatas. Mas como fazer os demais membros do galinheiro a descobrir a farsa do galo?

Durante dias ele pensou em como realizar o feito de desmascarar o galo e ao mesmo tempo, ganhar a admiração das franguinhas. Afinal, rei morto rei posto.

Um belo dia, a tarde ele convidou o galo para um drink na taberna da esquina. O galo de imediato recusou justificando que precisava dormir cedo para não deixar de cumprir a função mitológica de acordar o sol. Mas acabou cedendo quando ouviu do seu interlocutor a promessa de que seria apenas um gole de cachaça de milho.

Foram os dois para a bodega da esquina e, depois do primeiro trago, tudo ficou mais fácil. Veio o segundo. Depois o terceiro. E logo o quarto gole... O galo começou a trançar os pés e acabou indo pra casa carregado pelo jovem garnizé.

Na manhã seguinte, todos acordaram e viram o sol brilhando e pensaram que o galo sineteiro havia acordado o astro rei e logo saído para as compras. Mas logo o galinho novo se apresentou e disse: VENHAM VER O GALO BÊBADO.

E para surpresa de todos, o galo que adorava dizer que era ele quem acordava o sol, estava dormindo que até babava no canto do galinheiro. Ele acordou com o alvoroço das galinhas mais velhas e bravas e, com uma grande ressaca, logo percebeu que sua farsa havia sido descoberta.

Envergonhado, teve que admitir que o sol nascia sem seu canto e que ele havia inventado a estória para poder namorar as jovens galinhas que ficavam admiradas com seu canto lírico.

Já o jovem galo entrou para a história como o defensor da verdade. Todos o admiravam pela audácia e esperteza, chegando até a receber o título de membro honorário da verdade. Mas duraria pouco o seu reinado pois logo chegou outro galo jovem que também precisava ser visto e admirado...

Enquanto percorria essa história antiga na cabeça meus lábios riam e o sono, ainda que brevemente, deu lugar à fantasia e boas lembranças.

Fiquem bem.


Comentários

  1. Boa tarde P Luís! Vc sabe o qto gosto qdo vc se recorda de seu "tempo" no primário. ... Acho tao interessante as memórias guardadas por vc daquele tempo...(hj os pequenos quase nao tem essa sensibilidade ). Lindo deve ser estar num lugar tão natural- tão longínquo - às vz assustador..... e, em meio a tudo isso, com sono, meio aos banzeiros encontrar dentro de si a disponibilidade escrever essa cronica. Já estava com saudades em ler suas aventuras pelo R Negro. Bom retorno.Abraço

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  2. Bom dia,primeiramente quero desejar ...que Deus ilumine sempre sua jornada, e te de muita saúde para continuar sua vida, e essa linda vocação.!!!Felicidades hoje e sempre!!!.não me lembro mais quantos anos são rsrs...
    Que delicia deve ser acordar o sol...( não sempre né ??)ouvindo o cantar das aves, e ver essa bela paisagem, desse lugar maravilhoso e de um rio encantador...
    Fique bem...

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  3. Desculpe o engano, é amanhã o aniversário de sua ordenação..

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  4. Oi Dom...parece que estou vendo vc contar essa história relembrando o seu tempo primário. E quantos detalhes vc percebe: o movimento da água, o cantar dos pássaros mesmo com o sono te rondando. Que bom que vc consegue perceber e sentir toda essa beleza natural que te cerca! Deus te abençoe e o conserve sempre assim! Saudades... Abraços mil!❤❤❤❤❤

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  5. Que delicia ler essa partilha, e poder imaginar esse lugar maravilhoso. Poderia escrever um livro de suas aventuras por aí. Abraços!

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  6. Que linda missão, padre Luiz!!! Apesar do sono, do desconforto que imagino ser nessa "voadeira", consegue não perder as belezas, as maravilhas da natureza. Confesso que senti uma pontinha de inveja e grande saudades.

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