O SUSTO DA NUTRELLA

Dia desses eu assustei uma criança com uma fala minha e, com o susto dela, eu fiquei assustado com a normatividade das coisas.

Explico.

Ela me trouxe um pouco de açaí (sorvete, porque não temos nem o vinho nem a polpa por aqui) porque sabe que eu adoro e sempre que me traz, tem festa na porta da igreja.

Para ser gentil perguntei como tinha sido os últimos dias de aula e se tinha alcançado as notas necessárias para já estar vivendo as expectativas do ano seguinte. Claro que me respondeu tudo sim porque afinal, que criança quer falar de escola quando a escola termina?

Foi aí que perguntei de onde ela vinha e a conversa engrenou.

Estava com minha avó comendo tapioca. Cortei e já emendei adoro tapioca. Hum, disse ela, mas a nossa era de nutrela.

Foi aí o susto.

Você sabia que eu nunca comi nutrela na minha vida? perguntei achando que seria uma coisa legal de ser dita. Ledo engano. Ela me olhou assustada e me disse que isso era absurdo porque nutrela era a melhor coisa que se tinha pra comer.

Hum, não sei não, em todo caso quando vi o espanto da menina pensei que além de atrasado que sou, também estou fora da grande ordem mundial do reino da nutrela.

Fui ao mercado e comprei o famigerado potinho de nutrela. Pensei em abrir e saborear o manjar dos deuses (ainda que a bebê nunca tivesse dito isso, mas foi o que me pareceu) e lembrei-me de um texto que li a uns 300 anos: GOSTO DE DEIXAR AS COISAS ALI PELO CHÃO, PELA MESA, NO CANTINHO DO QUARTO. SEI QUE PODERIA E DEVERIA FAZER LOGO PARA ME LIBERAR DA TAREFA, MAS NÃO FAÇO PORQUE ME DÁ PRAZER SABER QUE AINDA TENHO MUITA COISA PRA FAZER...

Nem me lembro mais quem escreveu isso mas sei que assumi isso em muitas coisas na minha vida e com a nutrela assim seria: coloquei o pote junto com as outras mercadorias e toda vez que eu abrir ali o armário, me lembrarei que devo um dia experimentar a tal nutrela...

Fiquem bem.