A HIPOCRISIA DE TODOS NÓS
Jurei pra mim mesmo que não entraria no debate que se apresenta como o cerne da sociedade nesse momento.
Disse que não queria dizer o que sinto porque sei que aquilo que penso vai deixar muita gente contrariada.
Não queria ajudar a tirar a máscara de ninguém e nem mesmo a minha.
Mas tem uma hora que a gente não dá mais conta e precisa chamar as pessoas que pensam para um debate lúcido e menos inflamado.
Pois eis eu aqui falando sobre nossa hipocrisia...
Escândalo!
Criança vai a museu com a mãe e interage com homem nu que fazia performance baseado na releitura dos trabalhos de Ligia Clark.
Muitos horrorizados, demonstram o quanto querem parar a desenfreada perdição da sociedade. Homens e mulheres de bem vão para a porta do museu gritando pela moral e bons costumes. Muitos falam em suas redes sociais e espumam o canto da boca porque dizem que isso é coisa da ditadura gay e é estímulo à pedofilia e pedem por censura, etc etc etc.
Nas brechas desses discursos aparentemente moralizadores, aparecem os projetos políticos que querem banir os comunistas, que querem punir os devassos e querem uma sociedade limpa para nossas crianças.
Ok. Parece tudo certo e tudo correto, não é?
Mas não sei se as coisas são tão simples assim.
Em primeiro lugar, a performance estava sendo realizada num museu que, apesar de público é o lugar por excelência da provocação artística. Ou vocês acham que os afrescos medievais que hoje encantam os turistas por toda a Europa e que trazem santos e anjos nus não foram também julgados imorais naquele tempo?
Depois, temos que convir que a criança estava acompanhada pela mãe e portanto, a responsável pela educação e formação daquela criança estava presente.
Por fim, não era nada privado. Ou seja, a criança não estava sozinha com o artista, num quarto escuro e, em hipótese alguma houve qualquer tipo de incentivo à sexualização da criança. Era uma mostra do corpo.
Entendo e defendo que os pais que se sentirem lesados nisso não devem permitir que seus filhos tenham acesso a esse tipo de mostra cultural. Entendo e defendo que isso deve ser repensado do ponto de vista da legislação e classificação etária. Mas não posso concordar que isso mereça a mobilização social que teve e ser usado como argumento para o emburrecimento cultural.
Mas na mesma época em que esta polêmica ganhou as redes sociais e os noticiários facistas um outro escândalo evolvendo criança e os direitos da mesma aconteceu.
Um menino de 13 anos foi descoberto debaixo da cama de um prisioneiro numa cadeia do Piauí. Segundo as poucas informações que apareceram na mídia, o padrasto da criança (também ele já cumpridor da pena de abuso sexual infantil) "vendeu" a criança para satisfazer sexualmente um preso que cumpria pena por estupro de menor de idade.
Pasmem: com autorização do padrasto e anuência da autoridade policial a criança ficou dias servindo sexualmente ao detento. E não é difícil supor o dinheiro que correu nessa operação.
Alguma manifestação nas redes sociais? Não.
Alguma ação coletiva para defender a criança? Não.
Algum tipo de ação que justificasse nosso horror pelo abuso? Nada.
Observem os detalhes das duas histórias e vejam o quanto de hipocrisia se alojou em nós.
Semana passada novamente se apresentou um novo escândalo movido pelo compartilhamento das redes e pelo discurso inflado dos moralistas, um adolescente comemorando seu aniversário e beijando seu namorado gay entupiu a rede de manifestações contrárias a isso.
Mas quase ninguém tocou de fato no cerne do problema: a sexualização das crianças e adolescentes está cada vez mais fora do controle.
Para muitos, o problema era tão somente o fato de ser beijo gay e de ter a foto da cantora Pablo Vittar estampada no bolo. O problema era a homoerotização.
Mas pergunto: se fosse a foto da Xuxa e o adolescente estivesse beijando uma menina isso criaria em nós a mesma reação?
Respondo: provavelmente não. Afinal, diríamos: ah mas isso é normal.
Normal para uma criança de 12 ou 13 anos é brincar, praticar esportes, estudar e ter pequenas paqueras que faz parte da vida de qualquer ser vivo: querer ser amado e amar.
Mas nossa consciência amortizada pela naturalidade das coisas dirá: o que não pode é ser gay o resto pode.
E nossa hipocrisia ganha ares de puritanismo.
A grande questão é a erotização da infância.
Ou só eu que vejo pais de crianças já arrumando casamento para crianças que começaram a andar? Sim, é brincadeira mas é erotizar a vida a ponto de determinar que, ainda pueris já queiram experimentar a plenitude de suas sexualidades.
O problema é mais embaixo. Mas nossa cegueira só nos deixa ver o que nos parece normal. E ai, fica difícil ter uma conversa adulta.
Fiquem bem.
Hipocrisia mesmo!!! Concordo com tudo que disse. Apesar de não acompanhar todos os escândalos que velozmente e ferozmente aparecem (e desaparecem com a mesma intensidade) nas redes sociais, é nítido notar nestes meios de comunicação quão distorcidos os valores da sociedade estão! E pior, distorção escondida por trás da ética, moral e bons costumes. Em nome destes, recriminam arte, julgam (quase sempre sem conhecer profundamente à respeito da história em questão) e destilam seus preconceitos com orgulho. Enquanto isso, verdadeiras injustiças passam sem nenhuma escandalização. Preocupante. Ah! E você faz muito bem em se posicionar independente dos contrariados, se não fosse assim não seria você. E é justamente por isso que gosto de você. Abraço.
ResponderExcluirConcordo com vc sobre a nossa hipocrisia e mobilização desnecessária sobre certos fatos... No meu ponto de vista em relação a criança que foi ao museu ver o homem vivo e nu..(os anjos e santos eram estátuas)sinto pena ,pois acredito que ela teria obras e mostras, muita mais interessantes p ver mas sua mãe pelo jeito não pensa assim....triste.
ResponderExcluirHouve casos extremamente mais sérios e graves como o do menino na cadeia nem sabia que tinha chegado a tanto...que horror!!!Com certeza isso realmente precisaria ter sido levado mais a serio.
Pelo que estamos vendo a sexualização está mesmo fora de controle..Como vc bem disse estamos entrando na 4 revolução e é a da sexualidade..e sua banalização!!!
Vc sempre tem uma leitura profunda de tds os assuntos . Isso me faz admira-lo cada vez mais...
Abraço
Padre vc sempre atento ao que acontece em nosso país e às diferenças que acontecem nessa "sociedade" hipócrita e parcial. Tantas falas na amostra em S Paulo-- quase mudos pro acontecimento no nordeste. Tds usando de dois pesos duas medidas.///////texto excelente o seu e também o comentário da M Esther---- penso bem parecido com ela. Abraço
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ResponderExcluirEsta ocorrência me chocou, não posso negar. Achei errado induzir uma criança a esse tipo de coisa. Elas dependem integralmente de nós, não estão aptas a tomar decisões. Assim, tenho pra mim que somos totalmente responsáveis por tudo que possa acontecer em razão das decisões que tomamos por elas. Todavia, como venho de outra geração, procuro sempre ler opiniões diferentes que possam me levar a mudar meu conceito. Nesse sentido li, na ocasião, um texto do Psiquiatra Alexandre A. Loch, coordenador de pesquisas do Hospital das Clínicas de São Paulo, e achei muito lúcido e ponderado. Vale a pena gastar uns minutos na leitura. No google aparece com o título: “As verdades que o homem nu do MAM nos trouxe”. Quanto ao garotinho encontrado na cela, o fato causa uma dor tão grande no coração que não dá nem pra explicar. É absurdo pensar que aqueles a quem competia protegê-lo, foram os mesmos que o usaram para sua própria proteção e interesse: nem os animais fazem isso. Como Deus deve sofrer ao ver coisas desse tipo, já que nos criou à sua imagem e semelhança. Impossível calcular a que ponto pode chegar a crueldade do ser humano.
Concordo com o senhor mas, o que preocupou-me foi a exposição da criança que ainda não tem discernimento. Isso entendo por agressão no entanto, não foi um acontecimento para tanto barulho, diante do segundo que foi uma agressão concreta. É assustador ver a Sociedade cada vez mais perdida nos seus valores aliás, invertendo os valores.Fique com Deus.
ResponderExcluirInteressante o texto indicado por M.Belozo.
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