PARTILHA 1


UM PRIMEIRO APRENDIZADO...



É muito comum a quem se muda de lugar e deve se adaptar a uma cultura diferente que se esforce para aprender o estilo e o ritmo de vida das pessoas do lugar. Existe quase que uma força invisível que, ao distraído pode ocasionar uma série de frustrações e dores, quando não se leva em conta essa dinâmica que é anterior e exterior a nós enquanto indivíduo e ao mundo, enquanto cenário de nossas existências.

Para quem vem ao Amazonas é preciso atentar: o ritmo de vida aqui exige cuidado e respeito.

Inicia-se pelo que está fora de nossas previsões todas catalogadas e que não existem ponderações permitidas: o sol inclemente diz se podemos ou não fazer certas coisas, como também as chuvas, as águas do rio com seus fluxos e refluxos.

As possibilidades para se agilizar alguma necessidade premente também nos retém: nem tudo está ao alcance de nossas mãos e nem tudo pode ser resolvido somente porque precisamos de uma assinatura numa carteira que nos garante o direito de ir e vir. Existe uma senhora, gorda e cansada que se chama burocracia e que determina todo o pode e não pode.

Mas há de se aprender também que o tempo é outro.

Por mais que se olhe para os ponteiros do relógio e se imagine que o tic tac são os mesmo já conhecidos que, apesar de não pararem eles nunca envelheçam, aqui o tic tac serve apenas para dizer que talvez você terá que voltar outro dia, ou se dirigir a um novo departamento para uma nova fila e uma assinatura de um barão da caneta que, se não estiver em férias ou doente, assinará quando tiver certeza de que o relatório recebido poderá ser assumido pelo departamento do andar de cima que exigirá uma nova DARF para pagamento no dia seguinte uma vez que o banco já encerrou suas atividades.

E depois tem as consequências que irão se apresentando cada dia...

Você conseguiu a assinatura e portanto já pode embarcar, certo? Não tão certo assim... A embarcação vai ter o seu regime de horário e subida e descida dos rios que também precisará se confirmar se há vagas e por aí vai...

O que interessa na verdade nesse ítem é justamente pensar que existe uma dinâmica que, se não for observada e respeitada, você corre o risco de se estressar além da conta e ainda agredir pessoas que aprenderam a viver desse jeito e sabem apenas e tão somente que o mundo é assim.

Na semana que fiquei em Manaus para poder dar conta de um pequeno entrevero que tive com relação a uns documentos, por mais que estava me irritando toda aquela demora fui percebendo que é assim e, se eu quiser viver esse mundo com suas dores e alegrias precisarei ir acomodando esses sentimentos em mim.

E que fique claro: não se trata de conformar-se como quem se sente impotente simplesmente (ainda que tenha muito disso também). Mas trata-se de iniciar o processo de encarnação.

O verbo ao encarnar-se procurou viver todas as realidades condizentes à vida humana, com exceção do pecado. Para Deus teria sido muito mais fácil fazer as coisas com um passe de mágica ou de divindade e vencer todas as limitações humanas. Mas quis ir se aproximando e se tornando possível, experimentando a realidade e o tempo do ser humano (inclusive nasce criança e passou por todas as fases humanas com humildade e dedicação). Esse processo que Deus fez para o bem da humanidade deve ser feito por quem se arrisca na missão. Aprender a encarnar-se como quem aprende a viver e a sentir com quem o está recebendo.

Percebi durante a viagem de expresso de Manaus a Barcelos pessoas de todas as idades (quase todas indígenas) com as mesmas dificuldades que eu tinha (cansaço, desconforto, sono e por aí vai). Mas quase todas com profunda consciência de que a vida ali, naquele lugar e com aqueles agentes funciona assim e portanto, sem se irritar, sem reclamar, sem ficar se cobrando ou cobrando quem estava ao seu lado...

Encarnar-se como quem se dispõe a aprender o que o outro é e vive e aquilo que o contexto pode inspirar e fazer valer a pena o tempo que nos foi dado como presente. Sim, para muitos era voltar para sua maloca, sua casinha, seus parentes, seu açaí, sua farinha, sua rocinha, seu rio... e eram todos agradecidos por aquela oportunidade.

Claro, a gente sofre porque somos mais altos e mais gordos que eles. Mas era tempo de agradecer e, se ainda não era possível ter esse sentimento, ao menos contemplar e dizer que bom que DEUS AMAOU TANTO O MUNDO QUE CHEGADA A PLENITUDE DOS TEMPOS DEU SEU FILHO NASCIDO DE MULHER PARA VIVER CONOSCO AQUILO QUE A HISTÓRIA NOS APRESENTA COMO DESAFIO.

Caso alguém que agora me lê e tenha ao menos o sonho de um dia estar por essas bandas, que venha desde já fazendo em si e pra si esse processo de encarnar-se com gratidão e generosidade ao exemplo do que Deus fez conosco em Cristo Jesus...



BARCELOS LOGO ALI, NA MARGEM ESQUERDA DE QUEM SOBE

Meu corpo já estava se conformando em ficar sentado numa poltrona e quase estava colado na mesma. Foi aí que ouvi o velhinho que estava do meu lado dizer: VEJA BARCELOS ESTÁ LOGO ALI. Sim, o logo demorou um pouco (talvez uns 20 minutos) para que se fizessem todas as manobras necessárias para o atracamento.

Desci do expresso e fui tentando me localizar geograficamente mas também humanamente. Eram 7h da manhã e depois de quase 24h de viagem, meu corpo pedia banho e cama.

Olhei para o prédio mais alto da cidade ( a torre da igreja) e deduzi que para lá deveria ir. Subi a ladeira com a bagagem e torcendo para aparecerem alguns carregadores de malas que sempre encontramos pelos portos dos rios. Ninguém e vi que seria mais um tempo de entendimento de quem sou: respirei fundo e lembro de ter pensado CALMA, VOCÊ ESTÁ SE APRESENTANDO A ESSE MUNDO.

A casa paroquial fica num prédio bem ao lado da Igreja Matriz. Mas tem-se o agravante de ter várias entradas porque no mesmo local funcionam uma pousada, uma farmácia comunitária e o departamento de saúde indígena.

Demorei também para achar a porta certa para bater. Lembrando que ninguém gosta de ser acordado às 7h da manhã por engano né?

O padre Pedro (um britânico que trabalha aqui há 7 anos) logo abriu a porta e, meio desajeitado, se dispôs a carregar uma parte da minha bagagem. Queria conversar... nem deixei ele começar a falar. Com educação mas com a cara que todos os que me conhecem sabe que tenho quando estou descontente, disse SIM, CONVERSAREMOS DEPOIS QUE EU DORMIR O TEMPO NECESSÁRIO PARA RECUPERAR AS FORÇAS. Entrei no quarto que fora preparado e tratei de pensar (só pensar) no banho. Mas a cama me chamou e seu convite foi mais forte. Deitei e dormi com roupa e tudo.

Sim, sono e fome são nossos termômetros protetores da vida. Depois de umas 3 horas dormindo profundamente fui lembrado que estava com fome. Banhei e fui para a cozinha. A notícia que o padre novo havia chegado já tinha percorrido a cidade e ouvi rumores de pessoas conversando no piso debaixo da casa.  

O padre não se fez de vencido. Estava me esperando com seu estilo saxão para me levar para conhecer as dependências da paróquia. Daí foram horas e horas visitando comunidades e ele me contando tudo o que existia e como ele fazia para dar conta dos trabalhos.

Tenho que dizer: um homem muitíssimo esforçado e dedicado, com um ânimo além do normal, disponível para falar com todos e sempre atento a tudo o que acontece ao redor. O desespero foi se avizinhando quando ele começou a descrever a rotina de coisas e atividades que ele tem que fazer para por a paróquia em funcionamento. Confesso que pensei que não sou a pessoa certa para estar aqui. Mas fui me acalmando quando vi que se tratava mais do seu estilo e mais ainda no fato de nunca ter sido pároco (apesar de ter 18 anos de padre) nunca trabalhou como pároco e portanto, acabou assumindo atividades que nem sempre cabe ao padre. Mas isso é outra história...

O que interessa dizer é que fiquei impressionado com sua capacidade de fazer coisas e de organizar atividades que parecem estar ao tempo todo acontecendo e ao mesmo tempo esperando ele chegar para acontecer. Um misto de alegria e confusão tomou conta de meus pensamentos.

A tarde e a noite fomos visitar as comunidades do final de semana: são duas missas no sábado e quatro no domingo...

Mas acho que será importante comentar sobre tudo isso depois que eu estiver assumindo definitivamente as atividades.

Por enquanto, um pouco da chegada a Barcelos, logo ali, a esquerda de quem sobre o Negro...

Fiquem bem.

Comentários

  1. Boa noite Pe Luís. Muito bom ter noticias suas. Mudar nao é fácil, mas às vz é bom....outras vz é necessário. ...sei que pode dar medo- insegurança- angustia- --------mas sei que gosta de desafios- que saberá se adaptar à esses novos ares, que fará de sua nova paróquia um lugar de acolhimento/ transformação e oração. Fique por aí APENAS o tempo necessário- ----Por aqui estamos com saudades.Boa sorte,abraço

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  2. Bom dia pe...que alegria ter noticias suas e saber que esta bem....
    Vc está treinando todo tipo de paciência aí heimmm....rsrs.. .Modo de vida bem diferente da nossa realidade...O relógio aí serve mais como enfeite...né??
    A viagem até ai pelo que vc descreveu não deve ser nada fácil..pelo contrario bem desconfortável!!!!Já desisti...rsrsr
    Que bom que esse padre dai é animado e esforçado...vai combinar com vc...
    Abraço afetuoso e continue bem por aí.

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  3. Olá Dom...Boa tarde! E9u acredito que vc nasceu com a missão de levar Deus, esperança e solidariedade àqueles que mais necessitam.
    Assim foi com muitos de nós e outros que estão por vir. Que Deus te abençoe por colocar esse dom a serviço. Agora, viagem de 24 h de barco meu corpo não aguenta, eu conheço as minhas limitações...vou te acompanhar de longe pois sei que tudo dará certo pq Deus é contigo! Um abraço carinhoso e até mais!!

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  4. Concordo com Imaculada:vc tem o dom de levar Deus,esperança e solidariedade a todos e principalmente, aos mais necessitados...Que Deus te proteja e te cubra de bençãos!!!

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  5. Lendo a sua partilha e que experiência heim...Fiquei pensando como é o tempo e estado de nossas vidas, um dia desses você estava em São Paulo, numa rotina e lugar bem diferente, imagino que não é fácil essa mudança..Embora que já esteve por aqui, mais habituado em sua cidade se torna um pouco desafiador. Também já tive viajando nessas imensas águas do Rio Negro e fui mais adiante..Solimões e Juruá passei exatamente 6 dias e 5 noites no barco. Quando pisei em terra não senti o chão; parecia que flutuava..Peçamos a Deus que lhe abençoe plenamente nessa nova etapa de sua vida, aí em Barcelos. Logo ali na esquerda de quem sobe o Rio Negro. Abraço!

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  6. Que bom poder ler sua partilha dessa missão tão linda e desafiadora. Confesso que consigo ouvir sua voz e imaginar sua expressão em vários dos momentos descritos... rsrs... de qualquer forma quanto aprendizado em tão pouco tempo isso tudo está lhe proporcionando. Tento aprender a distância com suas palavras, mas do conforto do meu sofá tudo parece simples demais para me transformar verdadeiramente. Quem sabe um dia possa viver tudo isso... por enquanto fico daqui ansiosa por seus posts e esperando, como alguém disse acima, que fique por aí apenas o necessário.
    Que Deus te abençoe e ilumine. Conte com minhas orações. Abraços com saudade.

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  7. Boa noite padre. Estou alegre pelo o senhor ter vindo para Amazônia, Barcelos fica perto de Manaus quando vim a Manaus não se esqueça de nós visita boa sorte nessa nova missão.

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  8. É isso aí meu amigo bem vindo ao Amazonas, com certeza tudo dará certo.
    Um abraço

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  9. Boa noite padre Luiz !!!
    Fiquei muito feliz em ter notícias... Com sua sabedoria, me fez sentir como se estivesse vivendo um pouco da sua chegada à comunidade bem diferente da nossa realidade.
    Mas a saudade de suas homilias ficaram mais difíceis de serem ouvidas com outros oficiantes. Deus o abençoe .

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  10. Isso foi escrito em 12/12/2012. Há 6anos, mas tão atual.
    Novamente a Águia voou. Mas d SSA vez, seu voo será mais alto e mais distante. Para os confins desse Brasil continental.
    E cá estamos nós com o no na garganta e combina lágrima que insiste em ser derramada.
    Já se passaram 5 anos que a Águia deubo seu primeiro vôo, mas foi logo ali.
    Então podíamos ir visitá-lo sempre que a saudade doesse mais forte e pudemos revê-lo em diversas ocasiões.
    É...o tempo passa ligeiro e cinco anos se passaram como se fossem cinco dias e nós lembramos de sua ultiúl celebração na Paróquia Sao Paulo apóstolo.
    Tchiau gente!!!!!!
    Agora sua missao será mais distante e nosso coração ja começa a sentir essa distadist.
    Porém confiamos que Deus ajuda sempre a acalmar nossa alma e a aceitar aquilo que não conseguimos mudar...
    Afinal de cobtco, você tem que sempre seguir adiante na missão de evangelizar a todos os povos e se tornar Pastor de novas ovelhas, emmpastagens imensas e cravadas em lugares de poucos recursos e de grande necessidade de se conhecer Deus único e verdadeiro.
    Que Jesus o acompanhe nessa nova caminhada, que Nossa Senhora o proteja e que o Espírito Santo derrame muitas graças em sua vida e em seus projetos.
    Que seus sonhos se realizem.
    Um beijo ter e eterno em seu coração!!!

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